ARTIGO

Objetivos de desenvolvimento sustentável: daremos conta até 2030?

Por Francisco Estefogo |
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Francisco Estefogo
Francisco Estefogo

O calendário virou. 2030 se avizinha com auspiciosas metas para a humanidade cumprir na próxima década. Dentre elas, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), elaborados pela Organização das Nações Unidas (ONU), apresentam-se como os grandes desafios para a continuidade da aventura humana no planeta, ou pelo menos, a prospecção de uma vida mais digna e promissora, porém menos desigual e ameaçadora.

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Grosso modo, trata-se, na verdade, de 17 apelos, ambiciosos e interconectados, às todas as nações, com o intuito de, sumariamente, erradicar a pobreza, que assola, sobretudo, os países menos desenvolvidos, bem como proteger o meio ambiente, já há anos na UTI, respirando por aparelhos.

Além disso, desfrutar de prosperidade e paz, propósito à ano-luz de distância, dada as recorrentes deletérias situações de guerra, é um outro fim dessa árdua monta. A pergunta que paira no ar é se de fato, como seres humanos, daremos conta desse fardo. A ver.

Em relação à pobreza, embora haja indícios robustos de redução dessa mazela, em particular, na Índia, Indonésia e China, dentre outros lugares, segundo os dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), há ainda 1,1 bilhão de pessoas que vivem em penúria multidimensional extrema em 110 países.

A pandemia é um dos principais fatores desse descalabro mundial. Diante desses números alarmantes, é lícito supor que o quesito ‘prosperidade universal’ também está na mesma fila, não do pão, mas da miséria, definhando a passos de gigante, principalmente, devido à abissal desigualdade social.

No que se refere ao quase condenado meio ambiente, ano após ano, nos últimos tempos, registram-se desastres ambientais de dimensões catastróficas pelo globo. Enchentes avassaladoras, estiagem suprema e incêndios mefistofélicos encabeçam a lista de calamidades, com milhões de vidas desabrigadas e, não raro, dizimadas.

Quanto à paz mundial, tudo sinaliza que, a considerar os insistentes e, muitas vezes, descabidos confrontos da atualidade, a humanidade ainda não aprendeu com os inequívocos do passado, decorrentes da soberania, do egoísmo, das diferenças religiosas, da cobiça política e econômica, tal como das contendas territoriais e das rixas étnicas.

Ao apagar as luzes de 2023, havia pelo menos 8 grandes conflitos em curso, com aproximadamente 2 bilhões de seres humanos em situações bélicas, ou seja, um quarto da humanidade.

Dada a hercúlea tarefa que a humanidade terá que realizar nos próximos 6 anos, a considerar os vexaminosos atos supracitados, atrelado aos anseios da ONU com os 17 ODS, sobreleva trazer à baila as considerações de alguns pensadores.

Epicuro (341-270 a.C.), filósofo grego do período helenístico, por exemplo, propõe a seguinte indagação: “queres ser rico? Pois não te preocupes em aumentar os teus bens, mas sim em diminuir a tua cobiça”.

Pitágoras (570-495 a.C.), filósofo e matemático grego, por sua vez, esclarece que “os homens são miseráveis porque não sabem ver nem entender os bens que estão ao seu alcance”.

“Vamos olhar para a Terra e seus planetas irmãos como coexistindo com a gente, em vez de feitos para nós”, aconselha Mary Daly (1928-2010), filósofa, teóloga e feminista radical norte-americana.

Em relação aos duelos militares planetários, Luiz Felipe Pondé, põe, de alguma maneira, à prova as pretensões da ONU. O filósofo brasileiro joga um balde de água fria no ODS 16, ou seja, Paz, Justiça e Instituições Eficazes, ao asseverar que “há uma tendência do ser humano de estar sempre pronto para se encantar com tudo o que acontece. E ele se acostumou com as transformações, pois a vida é totalmente tomada por elas. O desencanto é a perda da transformação utópica de que no século 21 o mundo estaria sem guerras, de que as pessoas iriam se entender mais”.

A depender do soar das trombetas apocalípticas “tocadas” pelos filósofos acima, as chances de darmos conta dos 17 ODS são mínimas, para não dizer, quimeras. No entanto, no avesso desse horizonte plúmbeo, Albert Camus (1913-1960), filósofo franco-argelino, acalenta-nos ao afirmar que “da caixa de Pandora, na qual fervilhavam os males da humanidade, os gregos fizeram sair a esperança em último lugar, por considerá-la o mais terrível de todos. Não conheço símbolo algum mais emocionante do que este”.

Nesse sentido, Ernst Bloch (1885-1977), um dos mais notáveis filósofos do século XX, também conhecido por ser o pensador da utopia e da esperança, desenha um horizonte mais promissor ao propor a ontologia do não ser. Em outras palavras, a falta de algo não significa sua inexistência, mas uma possibilidade do que pode vir a ser.

Na irretocável “O Princípio Esperança”, obra densa com vários volumes, Bloch valoriza as artes, especialmente a música, no que diz respeito à transformação. "A relação com este mundo torna a música um sismógrafo social, pois reflete fraturas sob a superfície social, expressa desejos de transformação, convida à esperança. [...] O som exprime o que ainda está mudo no ser humano", romantiza o sábio alemão.

Paralelamente, Leonard Bernstein  (1918-1990), maestro e compositor, não concebe a arte para responder perguntas, mas para provocar questionamentos. Complementa o pianista estadunidense: “o significado essencial da arte é a tensão entre as respostas contraditórias”.

Dito de outra forma, a arte é fundamentalmente central concernente ao processo pelo qual as contingências inconscientes são trazidas à consciência, já que permite ao ser humano divagar, imaginar, ressignificar e criar o que ainda não está posto, frente ao emergir dos sonhos e à resolução dos conflitos que a expressão artística suscita.

É nesse contexto de convergência entre os sonhos e as contradições que o ODS 4, ou seja, Educação de Qualidade, ganha destaque, em razão de ser, a rigor, um dos decisivos caminhos para que o acesso ao universo da artes possa ser democrática e amplamentente compartilhado.

Nessa seara, livros, quadros, imagens, literatura, dança, cinema, teatro, música, pintura, escultura, fotografia, história em quadrinhos (HQ), brincadeiras, jogos eletrônicos e arte digital, dentre outras manifestações artísticas, certamente, do mundo todo, são os possíveis mananciais da criatividade, da conscientização, do respeito à diversidade, da valorização da coletividade, bem como da construção de conhecimentos científicos, além da ampliação de novas formas de ser, agir e pensar e do engendramento de um novo percurso sócio-histórico, prescindindo o atávico destino da existência ou a comezinha vida protocolar, ou ainda um tutorial de modo de vida a ser religiosamente seguido.

Esses são os elementos que, a priori, poderão transcender a nossa ignorância e egoísmo, assim como o nosso desleixo, preconceito, daltonismo cultural, apatia e maldade, afora o ato de desafiar as noções frágeis preconcebidas e colonizadoras, de modo que possamos, nesses 6 anos à frente, orgulhar-nos da nossa própria essência e, então, sermos ungidos com as benções transformadoras da educação para, talvez, darmos conta dos ODS, ou pelo menos alguns deles, até 2030.



Francisco Estefogo é membro titular da Academia Taubateana de Letras, pós-doutor em Linguística Aplicada pela PUCSP e professor do Programa de Mestrado em Linguística Aplicada da Universidade de Taubaté. No momento, é pós-doutorando em Filosofia da Linguagem na UNIFESP e também na PUCSP.

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