IDEIAS

Transferência tecnológica no setor espacial

Por Claudia Medeiros e Deborah Ciriaco | 23/11/2023 | Tempo de leitura: 7 min

Divulgação/NASA

Muitas pessoas questionam o investimento no setor espacial quanto ao benefício que a sociedade recebe de volta, uma vez que nem todo mundo tem acesso ao espaço. Para isso precisamos entender de que forma essa transferência tecnológica é feita, este é o propósito desse texto.

Uma das formas de avaliar o nível de maturidade de uma tecnologia (TRL - Technology Readiness Level) conta com pelo menos 9 níveis facilmente identificados nas fases de implementação de um projeto espacial. De acordo com o artigo escrito por Catherine G. Manning (1), disponível no site da NASA, os níveis entre um e três dizem respeito à fase inicial onde os conceitos básicos são elaborados, formulados e avaliados analiticamente gerando uma prova de conceito. Na próxima fase, quatro, as partes da tecnologia são testadas e integradas, sendo na fase cinco uma evolução do projeto para o teste ambiental nas condições mais realísticas possíveis. O sexto passo é o desenvolvimento de um modelo completo ou em alguns casos, um protótipo funcional. No caso de tecnologias embarcadas em veículos espaciais, as fases sete e oito se fazem necessárias para entender o uso desse produto no ambiente do espaço que, estando apta, segue para o modelo de qualificação para uso no espaço. A partir daí temos o uso em voo e uma vez que funcione corretamente, temos a conclusão de que a tecnologia está aprovada em todos os níveis de um a nove, pronta para ser usada no espaço e/ou gerar um produto comercializável. Só para se ter uma ideia, o satélite Amazonia-1 do INPE passou por todas essas fases inclusive sendo testado no espaço.

Essas etapas acima fazem parte do produto espacial. Mas nem toda tecnologia espacial se finda no espaço podendo ser tratada como formas de transferência tecnológica. Essa transferência tecnológica pode se dar em pelo menos duas vias conhecidas pelos termos Spin-in e Spin-off. O Spin-in é quando a transferência tecnológica acontece partindo de tecnologias desenvolvidas para uso na Terra que passam a ser utilizadas no espaço. O Spin-off seria o inverso, tecnologias desenvolvidas para serem utilizadas no espaço e que posteriormente são adaptadas para uso em produtos não espaciais.

A transferência tecnológica feita entre produtos não espaciais e os produtos espaciais nos moldes do Spin-in são mais comuns devido ao fato de já terem sido testadas, validadas e implementadas em solo. Ela se beneficia das etapas de maturidade tecnológica descritas acima nos níveis de um a seis pois, já estão, muitas vezes, sendo usadas em produtos de uso em solo. Isso pode diminuir significantemente os custos do desenvolvimento do projeto, e ainda reduzir o tempo de produção. Esse é um dos motivos que tem feito cada vez mais o setor espacial investir em busca de soluções não espaciais. 

Essa busca não se limita ao setor espacial, mas sim a todas as áreas de pesquisa e desenvolvimento mundiais que podem apresentar soluções alternativas interessantes mesmo distante do que se é esperado para usa aplicação. Um exemplo de interdisciplinaridade do uso de tecnologias nos moldes de Spin-in é o uso de redes neurais bastante aplicadas no setor financeiro ou da medicina que podem ser aplicados para interpretação de dados coletados por satélites.

E não para por aí, diversas tecnologias desenvolvidas para o setor automotivo ou da aviação podem ser soluções para o setor espacial. O uso de componentes, sensores e materiais ainda não utilizados no espaço, mas que são funcionais em produtos não espaciais vem ganhando atenção nessa abordagem de transferência tecnológica.

Spin off é uma das coisas mais importantes na exploração espacial além da própria exploração em si. Ele não conta com o privilégio do spin-in quanto a eliminação de etapas quanto a maturidade do projeto. Para o spin off acontecer, é preciso completar todos os níveis TRL descritos no início, antes de se capaz de gerar um produto não espacial. As tecnologias desenvolvidas para o espaço são muito caras e com necessidade de uma infraestrutura mais complexa já na sua fase inicial. Esse é o principal motivo, a meu ver, para que spin-off dessas tecnologias sejam tratados como “estado da arte” ainda mais preciosa para a sociedade.

E apesar de não termos conhecimento, muitas tecnologias advêm da exploração espacial, sendo ela a chave para diversas aplicações que utilizamos no dia a dia em nossas vidas, tanto em grandes produtos quanto em pequenas soluções. Muitas vezes o setor espacial não soube explorar essa vantagem na forma de propaganda, e infelizmente faz com que muitas pessoas não associem esses produtos à tecnologia espacial. A divulgação dessas transferências poderia ser uma solução para a falta de apoio social que esse setor tem, já que o problema maior parece ser falta de comunicação, e não a inutilidade em si.

Um dos maiores desafios do Spin-off é também encontrar formas de comunicar tecnologias complexas para profissionais que não estão envolvidos nesse setor. Esforços coletivos vem sendo feitos para mitigar essa questão. Agências espaciais e empresas do setor espacial tem criado canais de comunicação e divulgação para aproximar a indústria dos setores de pesquisas espaciais como por exemplo, a NASA e a ESA (2)(3)(4)(5) que criaram espaços de spin-off e produção de conteúdo, além de workshops e conferências para que os setores diferentes se encontrem. Publicações e sites para o público também têm aumentado a possibilidade de que as pessoas tenham acesso a essas descobertas, como é o caso do site https://homeandcity.nasa.gov/ da NASA que mostra de forma ilustrativa o que temos em nossas casas, que são produtos do espaço e vice-versa.

Sobre os divulgadores científicos, como é o caso desse canal, também fazemos parte de um esforço para mostrar a relevância da exploração espacial para nossa vida cotidiana. E para exemplificar o uso de tecnologias espaciais no dia a dia posso citar algumas aqui: o filtro aplicado nos óculos para cancelamento da luz azul; as mantas que usamos para refletir a luz solar para blindagem térmica; sistemas purificadores de ar; componentes que usamos em filtros de ar condicionado; sistemas de medidas de temperatura por infravermelho; alguns métodos de purificação de água; cremes para a pele que aumentam a hidratação; próteses flexíveis para pessoas que perderam membros como as pernas; painéis solares; baterias; até mesmo o revestimento da estatueta do Oscar, que só brilha porque usa uma cobertura que foi projetada para ser resistente no espaço.

E não para por aí, o conhecimento conquistado nesta trajetória inspira, filmes e séries que tentam traduzir o espaço e criar histórias. Essas produções também faze parte de um modelo de negócios que faz uso das descobertas do espaço, e as vezes, pode iluminar as mentes criativas dos desenvolvedores de tecnologias. 

O Spin-off é uma economia vibrante e tem cada vez mais mostrado seu valor não apenas aos nossos olhos, mas aos nossos bolsos também. Tecnologias espaciais tem sido usada para solucionar problemas como por exemplo no agronegócio, em controle de fronteiras, monitoramento de navios e vazamentos de óleo, ou ainda, previsões meteorológicas mais precisas e rápidas, que permitem ações em curto prazo para solução de problemas, diminuindo o custo.

Mas nem tudo são flores, não é fácil conciliar interesses das nações no controle dessas tecnologias, o que parece ser uma barreira bem grande ainda para que essa transferência de tecnologia aconteça de forma mais global. Voltarei num outro momento para falarmos sobre as políticas e leis no âmbito do espaço e suas implicâncias para a sociedade.

Por hoje, vim apenas mostrar para vocês um pouco do que significa os termos Spin-in e Spin-off no contexto de tecnologia espacial. Gostaria de salientar que spin-in e spin-off são de fato oportunidades. Espero ter criado uma inquietação quanto aos produtos espaciais e não espaciais, fazendo com que você olhe a sua volta e se pergunte o quê mais do espaço faz parte na sua vida. Se você gosta dos avanços tecnológicos com certeza deve ficar feliz e motivado a incentivar a nossa indústria espacial para seguir em frente nessa exploração. E se você está buscando uma forma de se integrar nessa exploração, fica a dica de um bom caminho para começar: conhecer os desafios e buscar soluções, no spin-in ou no spin-off existe uma imensidão de oportunidades aguardando por você.

Quer saber mais sobre o assunto acima? Visite o canal Mais Que Raios no Youtube e Spotify e @maisqueraios no Instagram. Um agradecimento especial ao jornal O Vale por nos apoiar para que esse conteúdo chegue a mais pessoas.

Links citados:

https://www.nasa.gov/directorates/somd/space-communications-navigation-program/technology-readiness-levels/#:~:text=Technology%20Readiness%20Levels%20(TRL)%20are,based%20on%20the%20projects%20progress.

https://vision.esa.int/category/ambition/accelerate-the-use-of-space/

https://spinoff.nasa.gov/

https://business.esa.int/funding

https://technology.nasa.gov/patents/category/all

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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1 COMENTÁRIOS

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  • Celina Bárbara de Miranda
    30/11/2023
    conteúdo riquíssimo para ampliar nosso conhecimento sobre tecnologia espacial. parabéns Cláudia por compartilhar conhecimento com tanta competência