KELMA JUCÁ

Sobre assédio moral horizontal

Por Kelma Jucá | Jornalista
| Tempo de leitura: 2 min

O mal que a mim faço ninguém jamais teria tal competência para fazê-lo. Eu piso no calo do meu pé. Eu repuxo a unha lascada do dedão. Eu tropeço nas arestas do meu coração.

Eu me amordaço. E assim engulo tudo quanto é tipo de impropérios. São verbos mal criados, substantivos chulos, adjetivos pejorativos. Eu engulo tudo e não faço digestão.

Fico a ruminar nas noites de insônia as palavras que nunca disse. Chamo para passear uma frase aqui, outra acolá. Sento no banco da praça de minha imaginação com expressões mal fadadas... Todas caladas.

Sou bicho arredio, selvagem, mas a mansidão dos covardes me domina. Não a mansidão dos bons de alma, mas aquela dos fracos, que oprimidos, se deixam transfigurar-se em panos de chão encardidos, rasgados e quase sem serventia.

Por que não me defendo? Se ao menos fosse religiosa e acendesse uma vela pro santo ou, melhor, pro Senhor. Poderia esperar pelo arrebatamento, pela salvação. Mas não. Nem isso. E fico, assim mesmo, a esperar. Esperar por algo que não sei se virá. Sem saber se aguardo uma coisa ou uma pessoa. Ou se apenas a espera é vã.

(...)

Fecha os olhos. Sente o frio a queimar as narinas. Não é mais nem bicho nem humana. Somente matéria. Um corpo que cai. E que cai lentamente. Caindo, se permite flutuar. E planando, não reage. Como não reage, continua a cair. Até que se acostuma com a queda, que é livre. Assim, nessa ilusão de liberdade, se sente inteira quando na verdade está perdendo pedaços seus pelo caminho.

Enquanto cai, vê as coisas se mexerem ao redor. Por isso, se engana e pensa estar ela própria em movimento. Mas é apenas a vida que está passando pelas retinas. Até que pisca e isso lhe embaça a vista. Pisca de novo para ver melhor. Aí entende. Ou voa ou bate com a cara no asfalto. É exatamente nesta hora que acorda.

Desperta, abandona o pesadelo. Finalmente, está pronta para encarar a barbárie do trabalho. Letícia ajudou dando nomes aos bois. “Amiga, isso é assédio moral horizontal. Ocorre quando é praticado entre colegas, pessoas da mesma hierarquia no serviço”, elucida a questão.

Pronto. Agora o seu mal tinha nome. Era só procurar o remédio mais indicado para o calvário. Abriu uma lista de profissionais disponíveis no convênio médico. Marcou consulta com um terapeuta já para a semana seguinte. Passados alguns anos, escreveu e compartilhou este texto.

(...)

“A quem interessar possa: ‘Procure ajuda! Você não está só’”, encerro.

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