ARTISTA

Quais são os dividendos da imaginação?

A irrefreável correria do dia a dia submete-nos a uma conduta de vida automática que acaba, de alguma forma, distanciando-nos da pujança atinente ao mundo imaginário

Por Francisco Estefogo | 01/10/2023 | Tempo de leitura: 6 min

A irrefreável correria do dia a dia, muitas vezes, submete-nos a uma conduta de vida automática que acaba, de alguma forma, distanciando-nos da pujança atinente ao mundo imaginário. Longe dele, ou não dando a mínima atenção para essa seara humana abstrata, não o nutrimos, tampouco recorremos a essa esfera do nosso universo particular interior para nos abastecermos de insumos anímicos de modo que, diante disso, mais fortes e com mais conhecimentos, possamos seguir adiante como seres de resistência e de expansão. Nesse terreno, a centralidade da imaginação em relação à realidade é advertida por Fernando Pessoa (1888-1935), poeta e filósofo português, ao afirmar que “as figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais”.

No afã de realizar as inúmeras atividades cotidianas, muitos de nós pouco valorizamos a importância da imaginação por acreditar que o mundo corpóreo, repleto de flagelos a serem enfrentados e, por conseguinte, também de eventuais conquistas, é a demanda mais verossímil e imediata da nossa existência. Na contramão desse provável descaso com a faculdade imaginativa, a célebre máxima eternizada por Einstein (1879-1955), uma das mentes mais brilhantes da ciência, quer dizer, “a imaginação é mais importante que o conhecimento”, oportuniza algumas pistas do quão fulcral é o ato de imaginar. Ressalta-se que o conhecimento, normalmente circunscrito no bojo da racionalidade, pode ser limitado; já para a imaginação, que está atrelada aos sentimentos, o céu é o limite.

Nesse sentido, a considerar que os saberes estão articulados à materialidade do mundo sensível, destaca-se, então, que os nossos 5 sentidos, isto é, a audição, o olfato, o paladar, o tato e a visão, são a antessala por onde a imaginação se dissemina e os novos conhecimentos se constituem. Portanto, o pensamento é uma capacidade mental voluntária. Aristóteles (384-322 a.C.), filósofo grego, ratifica esse movimento ao asseverar que “o fato de pensar depende do sujeito que pode exercer este ato; o ato de sentir, por outro lado, não depende dele: sendo para isso necessário que o sensível lhe seja concedido”. Em outras palavras, o campo intelectivo subjaz as sensações derivadas da nossa trajetória de vida desde a mais tenra idade.

Dessa forma, entende-se que a atividade de imaginar é um manancial de epistemes libertárias no que tange às novas maneiras de pensar, sentir, agir, desejar e viver. Apreende-se, em razão disso, que o pulo do gato é amiudadamente anabolizar o nosso acervo imaginativo, com base em experiências imersivas catárticas que toquem profundamente a nossa sensibilidade. Posteriormente, agir em direção à construção de inovados saberes e ao rumo do planejamento de transformações.

No outro extremo, ao não darmos vazão para a nossa capacidade imaginativa e, consequentemente, limitarmos essa potencialidade inexoravelmente humana no nosso cercadinho já conhecido, vivido e repetido, de algum jeito, reprimimos as nossas sensações. À vista desse desdém, supostamente apoucamos as oportunidades de produção de novos conhecimentos e, por conta dessa baliza, de mudanças.

Na verdade, quando negligenciamos a força do poder do universo imaginativo, instaura-se o ensejo de fossilização e, de certa forma, da eventual colonização decorrente do vigor imaginário das nossas experiências existenciais passadas. Opera-se, então, a possível normatização da imaginação tida há anos e, em vista dessa padronização, a subalternização epistêmica, a imposição de antepassadas maneiras de ser, sentir e pensar, bem como a retenção da construção de inéditos e descortinadores conhecimentos.

Em outras palavras, o nosso modus vivendi pode não avançar, pois se constituirá e se manifestará pautado somente nas nossas vivências pregressas, embora seminais. Aferrados ao passado, apenas sobreviveremos, se tanto. Nesse esteio, Vicent Van Gogh (1853-1890), pintor pós-impressionista holandês, ajuda-nos a entender o perigo da enclausura proveniente das vivências pretéritas: “não extingua sua inspiração e sua imaginação; não se torne o escravo do seu modelo.”

Mais particularmente, se não alimentarmos a nossa capacidade imaginativa, o nosso viver presumivelmente não estará ancorado no vigente cenário sócio-histórico-cultural. Como sequela, viveremos numa sintonia ultrapassada ao passo que o mundo se organiza e acontece numa outra vibe, muito mais dinâmica. No mais, poderemos ter uma acepção apática e inativa do nosso ser, pensar e agir, rejeitando, destarte, a essência humana como resistente, revolucionária, transformadora e em constante atividade.

Se assim o fizermos, a nossa natureza como humanos poderá se articular fortemente não mais que com o regresso e a estagnação e, por conseguinte, provavelmente nos habituaremos e petrificaremos o nosso próprio status quo. Em seguimento, viveremos uma realidade como fosse naturalmente dada e, em função dessa crença, meramente adaptados ao contexto, simplesmente reproduzindo o que já está posto, como já alertava o Pequeno Príncipe, imaginado por Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), escritor francês, “que planeta engraçado! É todo seco, pontudo e salgado. E os homens não têm imaginação. Repetem o que a gente diz...”

A julgar que a necessidade é a mãe das invenções, como já dizia Platão (427-347 a.C.), filósofo grego, na magnânima obra A República, oportunizar situações atravessadas por constelações de saberes, a partir da pluralidade de experiências multiculturais, é absolutamente imprescindível para despertarmos da profunda letargia epistêmica.

Trata-se de uma prática para nos despirmos do manto da ignorância, usualmente tecido com aviamentos da Era Mesozoica que padecem de subterfúgios hodiernos, plurilíngues, superdiversos e imaginativos. Poderemos, assim, reafirmarmos a nossa potência como seres de relação, ou seja, entes que agem e sofrem ações e paixões, num movimento contínuo e ininterrupto. Frente ao exposto, é patente conceber a imaginação como uma propriedade mental indispensável para legitimar o nosso percurso existencial como seres revolucionários.

Afora os dividendos epistêmicos e transformativos, munidos de um cipoal imaginativo robusto e de ponta, a nossa imaginação e o nosso pensamento, idiossincrasias particularmente humanas, permitirão que transitemos mentalmente entre o passado e o futuro. Por essa razão, poderemos desenvolver estratégias e artefatos para superar as inevitáveis mazelas, já que será possível imaginar os acontecimentos do futuro ao nos apartarmos dos contratempos do presente momento à guisa da prospecção de meios de superação.

Para tanto, na contramão da concepção de sujeitos adaptados ao contexto temporal, em decorrência de um legado imaginativo anêmico, franzino e estático, estarmos conscientes que somos seres em processo e, logo, construtores da história e agentes transformativos, é terminantemente central para compreendermos a capital importância de revigorar a nossa imaginação de modo a ir muito além do que os nossos olhos veem. Nessa toada,  Jean-Paul Sartre (1905-1980), filósofo e escritor francês, ratifica a vitalidade do ato de imaginar ao asseverar que “a imaginação é como um braço extra, com o qual você pode agarrar coisas que de outra forma não estariam ao seu alcance”.


Francisco Estefogo é membro titular da Academia Taubateana de Letras, Francisco Estefogo é pós-doutor em Linguística Aplicada pela PUCSP e professor do Programa de Mestrado em Linguística Aplicada da Universidade de Taubaté. No momento, é pós-doutorando em Filosofia da Linguagem na UNIFESP e também na PUCS


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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