KELMA JUCÁ

O primeiro réveillon de uma mulher

Por Kelma Jucá | 30/09/2023 | Tempo de leitura: 2 min
Jornalista

Parecia ser uma criança como outra qualquer. Tinha dentes tortos, pernas curtas e olhos curiosos. Estava com doze anos, o que lhe fazia sentir o peso da idade quando refletia sobre já ter atravessado o seu primeiro decênio de existência.

“Uma década é muito tempo?”, perguntou à prima 14 anos mais velha, que não se preocupou em explicar que tudo depende de um referencial. “É, sim!”, foi a resposta.

Pronto. Esse era o gatilho de que ela precisava para exigir de si uma coisa que nem sabia como nomear. Era algo que lhe daria um misto de emoções contraditórias mais para frente. Muito depois é que descobriria o significado de maturidade.

Como gostava de controlar o mundo ao redor, ela começou a desenvolver um medo secreto: crescer. Ser adulto não lhe parecia nada atraente. É que entendia que gostava de ser quem era, ali naquele lapso temporal de vida. Aterrorizava-a deixar de ser quem é.

Foi um susto quando se viu no espelho e enxergou aquela novidade: inicialmente um pontinho vermelho. Pensou ser uma picada de muriçoca. Os dias foram passando e sentiu uma dor localizada na maçã do rosto. Era o aceno de que a puberdade batia à porta. Foi a mãe quem explicou do que se tratava. Uma espinha!

Devidamente orientada, não ousou espremer aquela erupção cutânea ou estaria fadada a ficar com um buraco enorme no rosto. Para dormir, experimentou deitar de barriga para cima, de modo a evitar que o peso do corpo esmagasse aquela protuberância indesejada. “E nunca mais tampa!”, repetia a matriarca.

Tornou-se parte da rotina matinal acompanhar o desenvolvimento da espinha. Por dias seguidos, como que envergonhada, pareceu inerte. Deixou de crescer, mas também não diminuiu de tamanho. A menina ou a espinha?, o leitor poderia perguntar.

“Já é quase uma mocinha!”, passou a ouvir. O fato é que quando se é quase uma mocinha é péssimo ouvir isso. Parece uma sentença: Você não é mais criança, mas você não é dona do seu nariz. A penitência pelo pecado de crescer é não saber mais quem é. Você quita a pena quando entende que crescer e mudar fazem parte daquilo que nos molda ser quem somos. Compreender isso é a chave que nos liberta dos padrões impostos pelos outros.

Quando finalmente a espinha secou, o rosto imaculado da menina voltou a ter o aspecto de pele de porcelana. O alívio durou só o tempo de vir uma dor na barriga jamais sentida. Acreditou ser a comida do réveillon na casa dos primos. Não era. O primeiro dia do ano marcaria uma passagem biológica importante. Tonara-se uma mocinha.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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