ARTIGO

'DIREITOS HUMANOS?? ... SEM AMOR?? ... COITADOS!!”

Membro titular da Academia Taubateana de Letras, Francisco Estefogo é pós-doutor em Linguística Aplicada pela PUCSP e professor do Programa de Mestrado em Linguística Aplicada

Por Francisco Estefogo | 01/09/2023 | Tempo de leitura: 6 min

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Há pouco tempo, num certo país do leste europeu, uma emenda legal foi instituída para receber denúncias anônimas contra o questionamento da concepção pessoal do chefe do Executivo em relação ao matrimônio, à constituição da família e aos aspectos de orientação sexual e de identidade de gênero. Também, recentemente, num outro território da Europa, foi definido que serão permitidas somente operações navais céleres, de bate e volta, sem o direito de navegações mais abrangentes para o resgate de migrantes em situações de perigo. Nesse mesmo cenário, a emissão de registros de nascimento de filhos e filhas de casais homoafetivos foi terminantemente proibida.  Numa outra poderosa nação, conhecida como a “maior democracia do planeta”, em alguns de seus inúmeros estados, criou-se a lei “Don’t say gay” para criminalizar as instituições escolares que discutem questões orientação sexual e identidade de gênero. Nessa mesma esteira do obscurantismo civilizatório e do retrocesso democrático local, a garantia do direito ao aborto, conquistado há 50 anos, em 1973, bem como o uso de pílulas abortivas foram suspensos. Como se essas regulações de vida não bastassem, em mais uma afronta à comunidade LGBTQI+, uma lei, que proíbe pessoas mudarem oficial ou clinicamente de gênero, foi recém assinada num outro recôndito belicosamente poderosíssimo do planeta. Para fechar o elenco de vilipêndios à multidiversidade e ao desrespeito à dignidade e à individualidade humana, que para alguns parece algo banal e rotineiro, meses atrás, o parlamento de uma pátria africana aprovou a reedição de um projeto de lei, com regras mais rigorosas para os grupos LGBTQI+. Pena de morte para certos atos entre as pessoas do mesmo sexo e a possibilidade de prisão de 20 anos por incitar a homossexualidade fazem parte da nova versão. À vista desses arroubos ditatoriais e autoritários, em pleno século XXI, quando a ordem da vez é a inteligência artificial, apreende-se que, como todas as resoluções supracitadas são derivadas diretamente a mando dos Poderes Executivos, o nosso modo de viver, pensar, ser e desejar é deliberadamente determinado por outrem que não seja nós mesmos.

Frente a esses terrenos pletóricos de ultrajes contemporâneos, dentre muitos outros já noticiados ao longo da história, Joseph-Achille Mbembe, filósofo, teórico político e historiador da República dos Camarões, atualmente, professor de História e de Ciências Políticas do Instituto Witwatersrand, na África do Sul, e na Duke University, nos Estados Unidos, concebe o termo necropolítica. Calcado no conceito de biopolítica, que diz respeito às formas pelas quais o poder é exercido sobre os corpos e as populações humanas, cunhado pelo filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), o pensador africano, por sua vez, expande o debate foucaultiano, centrado maiormente no cenário europeu. A partir da política da morte, organicamente ligada ao neoliberalismo, Mbembe discute essa contingência necrótica como um fenômeno social de regulação que o Estado exerce sobre os nossos corpos, definindo quem deve morrer e quem deve viver. Indubitavelmente, as liturgias necropolíticas estão relacionadas à carência dos direitos básicos, como saúde, saneamento básico, educação, segurança, dentre outros, a grupos invisibilizados mais vulneráveis. Ressalta-se que a vulnerabilidade é a oportunidade do predador.  De forma geral, essa forma hodierna de governar, pródiga em descaso e soberba e que, certamente, trinca a imagem de vesta dos que “cuidam da população”, dialoga com um recuo civilizatório, posto que, lá no longínquo século XVI, o direito de vida e morte, absoluta barbaridade mesmo no período medievo, era uma prerrogativa – escandalosa - do soberano.

Caso esse funesto quadro fático vazasse para outras galáxias, decerto, os alienígenas, assumindo que ainda estivéssemos no auge da Idade Média, ficariam estupefatos com tamanho atraso no que diz respeito aos nossos direitos, pobres terráqueos humanos. “Direitos Humanos?”, possivelmente indagariam ... “Coitados, jamais conseguirão, pois ainda não aprenderam sequer a amar. Vivem fazendo declarações de amor para ‘amigos’, familiares e cônjuges, mas suas ações, quando efetivamente agem, são atravessadas por ódio, vingança, indiferença, egoísmo, inveja e rancor. O ‘amor’ deles está condicionado à proteção do ego, ao poder e ao bolso alheio. Um verdadeiro blá blá blá, principalmente na panaceia das ... o que eles chamam de ... redes sociais ... em especial, num tal de ‘whatsapp’, onipresente escudo da covardia e da falsidade, supostamente justificariam. 

Sobreleva trazer à baila que, particularmente após a nefasta II Guerra Mundial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi publicada em 1948, pela Organização das Nações Unidas (ONU), com vistas a garantir os direitos básicos, como a vida, a liberdade, saúde e segurança, a todo e qualquer ser humano, independentemente de etnia, classe social, gênero, orientação sexual, nacionalidade, religião, cultura, profissão ou idade. Grosso modo, o documento é inspirado nos preceitos das Revoluções Americana e Francesa. Ideais de igualdade, liberdade, propriedade e fraternidade, concepções do Iluminismo, pautaram esses dois icônicos movimentos. Ferrenhos defensores da ideia de que todos nós nascemos livres e iguais e, por conseguinte, portadores do direito à vida e à liberdade, os filósofos ingleses Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632–1704), além de Jean-Jacques Rousseau (1712-1779), da Suíça, concebiam os direitos humanos como intrínsecos à natureza humana. Portanto, de alguma forma, esses três pensadores foram os precursores de narrativas semelhantes a contratos sociais que pavimentaram os caminhos dos episódios revolucionários acima aludidos para, depois, já no século XX, desembocarem na elaboração dos escritos da ONU.

À custa do perigo sorrateiro e peçonhento, ilustrado pelas situações acima, mudar a lógica necrótica governamental de um novo “modus vivendi” nos tempos modernos, predominante nos últimos tempos, exige uma postura bem mais incisiva e reflexiva, se não quisermos retroceder à era do nascimento dos primeiros hominídeos, há 3 milhões de anos. Exageros à parte, acossados por essa ameaça de regresso ao tempo, terminantemente abastecida pelas situações históricas de exploração e colonização, sobretudo, sob o júbilo da horda de ultrarradicais que fomentam a discriminação, a opressão e, como mencionado, o extermínio, talvez, para além dos pressupostos iluministas e na direção de tirar a nossa liberdade de ser, pensar e viver da berlinda, a sabedoria e o amor poderiam nos emancipar e humanizar a fim de, então, compreendermos e cumprirmos à risca a Declaração dos Direitos Humanos.

Em relação à sapiência, conhecer, por exemplo, um pouco sequer, das obras de Carlos Drumond de Andrade (1902-1987), um dos mais influentes poetas brasileiros do século XX, poderia iluminar as mentes retrógradas, ignorantes, gananciosas e narcisistas, dado que “ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar”, como sabiamente entoa o escritor. Concernente ao ato de amar, carência humana já observada acima pelos supostos habitantes de mundos outros, Nelson Mandela (1918-2013), o mais importante líder da África Subsaariana e vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1993, lança luz sobre essa vigente tendência humana discriminatória e depredadora e, em última instância, dolosa, ao vislumbrar a potência didática do amor não apenas como uma abstração ou falácia, mas como uma atividade concreta, libertadora, acolhedora e fraterna. Assevera um dos mais importantes presidentes da África do Sul: “ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”.

Membro titular da Academia Taubateana de Letras, Francisco Estefogo é pós-doutor em Linguística Aplicada pela PUCSP e professor do Programa de Mestrado em Linguística Aplicada da Universidade de Taubaté. No momento, é pós-doutorando em Filosofia da Linguagem na UNIFESP e também na PUCSP

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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