Eu me recordo com alguma riqueza de detalhes da primeira vez em que fui ao oftalmo. Eu tinha entre 10 e 12 anos. Me lembro de vestir a roupa de “sair de casa” com o sapatinho social e a meia de crochê, que minha mãe insistia que eu usasse no calor do Nordeste. Sentada no consultório, balançava os pezinhos que não alcançavam o chão enquanto recebia um lenço de papel para limpar as lágrimas que viriam logo em seguida.
Era uma época em que se dilatava a pupila. Os jovens de hoje não sabem o quão sofrido era. O colírio ardia tal qual se tivesse jogado pimenta, sal e areia nos olhos. A secretária do médico repetia pelo menos mais uma vez o processo de pingar o colírio nos olhos e... Pronto!
Dali em diante, você poderia ser uma águia que não iria conseguir juntar um “lé com um cré”. Tudo à sua frente ganhava o desfoque de uma miopia de 7 graus. Nunca consegui entender como o exame de vista era feito se você não enxergava nada com clareza. É uma lógica que sempre me escapou ao entendimento.
Se superamos a fase do amargo remedinho que deixava a “menina do olho” do tamanho da lua, cultivo a mesma sensação da infância ao ver aquele aparelho por meio do qual o exame é feito. Para mim, o instrumento tem um ar démodé e um eterno aspecto de ultrapassado ao mesmo tempo em que é futurista, quase saído de um antigo filme de ficção científica.
Finalmente sentada na poltrona próxima ao Refrator de Greens – é como se chama o jogo de lentes corretivas que ajuda a identificar o grau do paciente – o médico dá início à uma arguição da qual eu não sei se estava preparada. Isso foi nos anos 90, mas foi mais ou menos assim:
- Esse ou esse?, me pergunta o médico enquanto troca as lentes do aparelho.
- Esse!, respondo.
- Qual deles? Esse aqui?, ele me questiona novamente.
- Não, respondo.
- Esse outro?, repete ele.
- Sim. Esse!, falo animada.
- E agora. Esse ou esse?, ele insiste.
- Esse!, digo.
- É esse?, indaga o oftalmo.
- Peraí. Pode voltar?, titubeio.
E o diálogo inquisitório transcorre durante a consulta até que, para minha decepção, ele fala:
- Sua vista é ótima! Você não precisa de óculos.
Saio do consultório sem enxergar muito bem, com dor de cabeça – talvez pelo excesso de babados do meu vestido num dia quente ou pelo uso inédito de colírio dilatador – e uma incerteza.
- Mãe! E se for o outro?, reflito.
- Que outro, menina?, interroga ela.
- O outro... “Esse!”, exclamo.