IDEIAS

Olhos para si ou Depois da depressão

Por Kelma Jucá | 28/07/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Passei dos 40. Daí, não teve jeito. Tive de usar óculos. No processo de adaptação, experimentei uma certa insatisfação com o meu novo acessório, convicta de que o grau de astigmatismo não correspondia à minha necessidade. Demorou até eu perceber que as lentes estavam sujas.

Foi num passe de mágica, ou melhor, numa delicada passada de paninho nos óculos e “voilà!”... As letras da tela e do papel ganharam contorno definido e leiturabilidade. E eu ganhei confiança.

Tem outro par de óculos, não menos importante, onde comecei a fazer uma limpeza lenta e gradual. Aos poucos, estou removendo a película sem brilho por onde estava a enxergar a vida. É que quando se está num quadro depressivo tudo ao redor fica cinza.

Não sei dizer exatamente como começou, onde eu estava, o que fazia. Só sei que uma tristeza profunda se apossou de mim, a ponto de me sufocar no sentido real e figurado. De repente, você deixa de fazer as coisas de que mais gosta, vai curvando o corpo numa tentativa de se esconder do mundo e se recolhe numa caverna por onde não passa a luz.

A depressão vai te abraçando de um jeito tão sutil que você simplesmente não percebe que a planta continua verde e o céu segue sendo azul. Você é que mudou tanto a ponto de ver o mundo com a escura lente da desesperança. Aí você passa a abrir mão daquelas atividades que demandam mais esforço. E, sem que se atente, vai desistindo de si. Ao menos, foi assim comigo.

Você encontra uma desculpa boba e para de dançar. Topa com um subterfúgio e deixa de ir para a academia. É abatida pelo desânimo e deixa de ler e de escrever. A preguiça vem e você não tem forças para organizar o quarto. Um mal estar passageiro te impede de cozinhar e você opta pelo industrializado. O dia está frio e você decide não ir ao salão para dar aquele trato no cabelo. Depois, esquenta e você prefere não sair de casa para procurar aquele jeans básico que está precisando. Os amigos te convidam para um café e você não tem apetite social para interagir com as pessoas. Em resumo, você se fecha para as oportunidades de experimentar a vida à sua volta e se torna uma estranha de si.

Para mim, a depressão foi silenciosa e agiu de forma escalonada. Sempre discreta! Quem iria dizer que eu estava adoecida se até sorria? Pois é. Até que eu também parei de sorrir. O movimento de subir os músculos da face e mostrar os dentes se tornou coisa rara e quase um exercício de halterofilismo em que eu me cansava e não via sentido em fazê-lo.

Não há segredo para sair do subsolo do poço – a depressão. O combo terapia, ação medicamentosa, atividade física e relacionamentos de qualidade integram uma fórmula básica para melhorar a saúde mental. Acrescento que reconhecer o problema e buscar ajuda é o primeiro passo de uma longa caminhada.

Infelizmente, ainda há muito preconceito sobre a depressão. Cheguei a ouvir que eu apenas precisava segurar nas mãos de Deus e rezar mais. Ninguém fala isso para uma pessoa que quebrou o pé ou sofre de gastrite. Está na hora de normalizarmos a procura por psicólogo epsiquiatra. Viva a Ciência! Quando se vê tudo embaçado, desbotado e sem brilho é hora de buscar ajuda. Antes de querer encarar o mundo, a gente precisa ter olhos generosos para ver a si mesmo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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