Do mundo para Ubatuba. O industrial Francisco Matarazzo Sobrinho, conhecido como Ciccillo Matarazzo, membro de uma das famílias mais ricas da primeira metade do século 20, consagrou seu nome na história brasileira e mundial pela atuação destacada nas artes e na cultura.
Administrador de um dos maiores complexos industriais do país, construído por seu tio, o famoso conde Francisco Matarazzo, Ciccillo fundou o (MAM) Museu de Arte Moderna de São Paulo, a Bienal Internacional de Arte e o Teatro Brasileiro de Comédia, entre outras realizações culturais.
O que pouca gente sabe é que Ciccillo se aventurou no mundo da política e essa aventura foi em Ubatuba, no litoral norte paulista. Ele comandou a cidade entre os anos de 1964 e 1969, período emblemático da história brasileira em razão da vigência da ditadura militar. Mesmo sob forte oposição e controvérsias, Ciccillo deixou um legado de desenvolvimento no município.
Essa história será contada pelo jornalista João Paulo Sardinha na biografia que está escrevendo sobre Ciccillo. Formado pela Universidade de Taubaté, Sardinha foi repórter e editor de políltica do jornal OVALE e atualmente é chefe da assessoria de comunicação da Prefeitura de São José dos Campos.
A curiosidade pela história de Ubatuba, cidade que frequenta há mais de 10 anos, levou o jornalista a descobrir o lado político e de gestor público de Ciccillo e o despertou para a ideia do livro.
“Como gosto muito de conhecer a história dos lugares, comecei a pesquisar a cidade e nessa pesquisa histórica encontrei esse personagem. Um dos maiores industriais assumiu uma cidade pequena e fez uma transformação, Ubatuba deu um salto na gestão dele. Aí eu pensei que daria uma bela biografia, porque muita gente não conhece”, explica Sardinha, que também é graduado em História.
Nascido na capital paulista, Ciccillo se encantou por Ubatuba depois de construir uma mansão de veraneio em frente a uma das praias da cidade, onde passava temporadas de férias. Hoje a casa abriga uma danceteria famosa do litoral.
Ciccillo começou a frequentar Ubatuba e, influenciado por alguns nomes da política, como Adhemar de Barros, decidiu concorrer às eleições municipais de 1963. Ele foi eleito prefeito com mais de 1,8 mil votos.
“Interessante que, ao longo da campanha, como ele era muito rico, ele ajudou os adversários com dinheiro para fazer a campanha deles também. Ele falou que não queria que o poder econômico interferisse na eleição dele. Então, ajudou a campanha dos outros e acabou sendo eleito com uma votação expressiva para a época”, relata Sardinha.
Embora fosse muito influente no meio político, Ciccillo nunca havia exercido nenhuma função pública. Ele era próximo de figuras como Jânio Quadros e outros nomes da alta classe política de São Paulo. Devido à sua influência econômica e intelectual, ele também tinha forte relação com o Ministério das Relações Exteriores e com o próprio presidente da época, Castello Branco.
Sardinha identificou em sua pesquisa que, por ser do mundo das artes, Ciccillo tinha ainda uma abertura muito grande com políticos da esquerda; e sua ligação com a cultura influenciou diretamente os principais feitos políticos em Ubatuba.
Ele levou para o município o método de educação de Paulo Freire, educador associado à esquerda e que havia sido cassado na ditadura. “Para fazer essa transformação, ele deu outro nome para o método, mas na prática era o método Paulo Freire. Ele era bem aberto em relação a tudo, bem à frente do tempo dele”, comenta o jornalista.
“Isso parece normal, mas não era para a época. Ele era um mecenas da cultura, um dos caras mais conhecidos do Brasil comandando uma cidade pequena e colocou em Ubatuba o que existia em cidades maiores. Isso foi possível, porque ele tinha uma visão de mundo, viajava muito e trouxe um certo desenvolvimento intelectual para a cidade”, comenta Sardinha.
Com o lema 40 anos em 4, Ciccilo também investiu na área da infraestrutura, construindo a rede de esgoto e pavimentando a pista do aeroporto, entre outras ações.
A gestão, no entanto, foi marcada por muitos contratempos. Ele enfrentou forte oposição pelas idéias progressistas e por estar sempre ausente da cidade, devido aos compromissos pelo mundo afora. Em dos anos de sua gestão, a Câmara não aprovou o orçamento da cidade. Os vereadores também abriram dois processos de cassação contra Ciccillo. Apesar das crises, ele ficou até o fim do mandato.
A experiência como prefeito foi a única que Ciccillo teve como gestor público. Encerrados os quatro anos de governo, ele voltou a se dedicar ao mundo das artes e dos negócios. Antes de falecer, ele ainda tinha o sonho de criar uma bienal de cinema e um prêmio de literatura latino americana.
A biografia é inédita e está na fase de pesquisa de documentação junto a jornais da época e ao acervo público de Ubatuba. Sardinha também fará entrevistas. De quebra, o jornalista resgatará no projeto a história de Ubatuba e o cenário do Brasil no contexto do golpe militar de 1964. Não dá para perder essa história.