ARTIGO

Qual o problema de “viver no mundo da lua”?

Por Francisco Estefogo | 01/07/2023 | Tempo de leitura: 4 min
Membro titular da Academia Taubateana de Letras

Ao compreender os fenômenos da física clássica, Albert Einstein (1879-1955), um dos maiores gênios da humanidade, cuja paternidade da Teoria da Relatividade lhe é conferida, afirmou que “a imaginação é mais importante que o conhecimento”. O brilhante físico, aficionado por música, sobretudo, as de Mozart, chegou a essa premissa porque, quando ainda adolescente, questionava a influência gravitacional sobre a Terra. No entanto, certamente não tinha, na época, insumos teóricos e práticos suficientes para resolver o dilema. Assim, presume-se que o conhecimento per se não é o bastante para os avanços da ciência. É preciso primeiro imaginar para, atrelado ao saber, romper protocolos fossilizados e, em seguida, expandir e progredir. Em termos contemporâneos, podemos entender, então, que “viver no mundo da lua”, como se diz por aí, pode ser um grande manancial para novas descobertas e feitos. Ressalta-se que, à exceção dos elementos da natureza, como as montanhas, o mar, as plantas, as estrelas, os planetas, os animais, dentre outros, absolutamente tudo o que nos cerca foi, antes de ser materializado, concebido pela mente humana. Nesse sentido, Gilles Deleuze (1925-1995), filósofo francês, ratifica a pujança do ato de imaginar ao asseverar que “nada se faz pela imaginação, tudo se faz na imaginação”.

Se a imaginação precede, de algum jeito, o conhecimento, é importante refletir sobre os gatilhos que aguçam essa atividade inexoravelmente humana. O que antecede a nossa centelha criativa para agirmos em prol de um objetivo é decorrente, em tese, das nossas experiências e vivências, nossos estudos, leituras, viagens, interações sociais, enfim, por tudo que passamos nas nossas trajetórias existenciais. Dessa maneira, as linguagens, verbais ou não, têm papel preponderante na nossa capacidade de imaginar. Kant (1724-1804), filósofo alemão e um dos principais pensadores do Iluminismo, corrobora o valor do mundo externo, representado pelas linguagens no que diz respeito às sensações, antessalas do mundo exterior. Contudo, o rigoroso e metódico pensador complementa que a nossa mente não é uma seara humana plenamente inativa que apenas recebe as informações, mas um agente ativo que seleciona e reconstrói as nossas experiências com base na nossa vivência. Em outras palavras, o intelecto humano, associado à vastidão das experiências, é uma grande usina dinâmica e produtiva para a imaginação e, por conseguinte, para a criatividade, a (re)construção, a ressignificação e a transformação.

Para além “da lua”, estar embrenhado na multidiversidade, que é inerente ao mundo e a todos nós, viver novas experiências, permitir ser questionado e desafiado, reconhecer o erro, respeitar diferentes formas de ser e agir, adentrar na imensidão do desconhecido e da interculturalidade, dentre outras atividades, oportuniza, a rigor, “divagar também pelas estrelas e pelos planetas”, ou seja, ao “infinito e além”, como disse, de um estilo jocoso e bem-humorado, o personagem Buzz Lightyear, do filme Toy Story, lançado em 1995 pela Pixar. A propósito, por falar em entretenimento, a brincadeira, tanto para adultos como para as crianças, é um terreno extremamente fértil para a imaginação, pois possibilita viver experiências hipotéticas, mas imersivas, que oportunizam a transcendência e a recriação da realidade. Nesse processo, podemos solucionar problemas e conflitos, imaginar objetos, enfrentar desafios, estabelecer contatos sociais, prospectar resultados, planejar ações, assumir diferentes papéis sociais, assim como ter contato com diversas naturezas de vidas e tomar decisões, dentre outras ações que, talvez, na realidade, não poderíamos realizar de imediato. Por não restringir a fantasia e o devaneio, a brincadeira é uma propulsora fagulha expansiva plenamente central para estimular a imaginação, a engenhosidade e novos meios de sentir e ser.

No avesso dos que acolhem as inúmeras linguagens e possibilidades de ser, viver e agir, que intrinsecamente o mundo nos oferece, os preconceituosos, os negacionistas, os donos da verdade absoluta, os autoritários, os dogmáticos, bem como os intolerantes, os ideologicamente calcificados e os fundamentalistas, absortos nos seus mundinhos medíocres e altamente limitados, que não enxergam um palmo à frente do nariz, possivelmente, quando muito, “chegarão às nuvens”. Consequentemente, com a atividade de imaginar claudicante e, portanto, com o ato de criar apequenado, pifiamente produzem algo diferente, inventivo ou transformativo. Destarte, vivem, a priori, imensamente na mesmice e na ignorância, em conformidade com o “status quo”.

Ainda que soe totalmente lunático e onírico, mais que “viver apenas no mundo da lua”, devido ao potencial do nosso ígneo intelecto, poderemos ir muito além se nutrirmos a nossa ação imaginativa de modo equilibrado, afinal de contas, a “imaginação me torna humana e faz de mim uma tola: ela me dá o mundo todo e, ao mesmo tempo, me exila dele”, pontua Ursula K. Le Guin (1929-2018), autora e escritora estadunidense. Nesse sentido, para lá da criação, Fernando Pessoa (1888-1935), poeta, filósofo, e dramaturgo português, ensina-nos que a habilidade de imaginar permite-nos sentir o que não é (corporificado). Declama um dos mais festejados escritores da língua portuguesa e um dos mais importantes representantes do modernismo:: “Dizem que finjo ou minto/Tudo que escrevo. Não/Eu simplesmente sinto/Com a imaginação/Não uso o coração/Tudo o que sou ou passo/O que me falha ou finda/É como que um terraço/Sobre outra coisa ainda/Essa coisa é que é linda/Por isso escrevo em meio/Do que não está ao pé/Livre do meu enleio/Sério do que não é/Sentir? Sinta quem lê!”


Membro titular da Academia Taubateana de Letras, Francisco Estefogo é pós-doutor em Linguística Aplicada pela PUCSP e professor do Programa de Mestrado em Linguística Aplicada da Universidade de Taubaté. No momento, é pós-doutorando em Filosofia da Linguagem na UNIFESP e também na PUCSP.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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