MEMÓRIA

Rita Lee, Stones e Aparecida: a noite em que a rainha do rock se vestiu de Nossa Senhora

Cantora era fã de Nossa Senhora, mas foi excomungada pela Arquidiocese do Rio de Janeiro em 1995 após cantar vestida como a Padroeira do Brasil, em show com os Rolling Stones

Por Xandu Alves | 06/06/2023 | Tempo de leitura: 3 min
São José dos Campos

Divulgação

Roupa usada por Rita Lee no show de 1995
Roupa usada por Rita Lee no show de 1995

Ícone do rock brasileiro e símbolo de rebeldia, Rita Lee já foi excomungada pela Igreja Católica após usar um figurino que remetia a Nossa Senhora Aparecida durante abertura do show dos Rolling Stones, no Maracanã, em 1995.

Na ocasião, Rita rezou a Ave Maria antes de tocar a música ‘Todas as Mulheres do Mundo’, um brado feminista composto pela artista. Na época, ela usou uma roupa que representava a Padroeira do Brasil, e acabou sendo excomungada pela Arquidiocese do Rio de Janeiro. A cantora foi defendida por um padre de São Paulo.

O episódio é contado no livro ‘Rita Lee – uma autobiografia’, que a cantora lançou em 2016. A artista morreu no último dia 8 de maio, aos 75 anos, após ser diagnosticada com um câncer de pulmão em 2021 e que entrou em remissão em abril deste ano.

DEVOTA

O que poucos sabem é que Rita Lee se dizia devota de Nossa Senhora Aparecida e chamava a santa de “a mãe divina do país”. Em postagens nas redes sociais, ela também se referia à Padroeira do Brasil como ‘Cidinha’.

“Para cantar ‘Todas as Mulheres do Mundo’, me paramentei de Nossa Senhora Aparecida com um megamanto de veludo azul e coroa. No fim da música, além de declamar os nomes das mulheres porretas, tornei a recitar a ave-maria sob uma pauleira sonora acompanhada em uníssono pelo estádio inteiro, num momento arrepio na alma”, escreveu a cantora no livro.

Em outro trecho, ela conta que após surgir vestida de Nossa Senhora Aparecida durante a transmissão do show, o chefão da TV Globo, Roberto Marinho, teria mandado cortar a apresentação da telinha, segundo ela, “um desrespeito, teria dito o todo-poderoso”.

E continua a cantora a narrar o episódio: “Dia seguinte, a Diocese do Rio de Janeiro anunciou minha excomunhão. Que nunca fui santa, não era novidade, mas eu estava lá realmente prestando homenagem como fã sincera da Aparecida, como a melhor representante de todas as mulheres brasileiras, como a mãe divina do país”.

DEFENSOR

Rita Lee conta ainda que, um tempo depois do episódio, padre Anselmo, da Igreja Santo Inácio, que ministrou a primeira comunhão à cantora, saiu em defesa dela, dizendo num programa de TV que Rita havia dado um bonito testemunho de fé. “Padre chapa”, escreve a cantora no livro.

De fato, a Arquidiocese do Rio de Janeiro soltou uma nota no dia seguinte ao show com duras críticas à cantora.

"Entre outros, sinal de grave decomposição moral foi o espetáculo recém-realizado no Maracanã. Além de drogas e exibição de nudez, afrontaram os sentimentos religiosos da maioria da população ao envolver a figura da Virgem Maria com tantas ofensas a seu Filho”, diz trecho do comunicado da Arquidiocese.

“Os responsáveis são também os patrocinadores dessas encenações e os espectadores que, com suas presenças, apoiaram tais desregramentos. Esse ato de repulsa é um imperioso dever dos católicos e pessoas de bom senso.”

A fantasia de Nossa Senhora Aparecida usada por Rita Lee foi posteriormente exposta no MIS (Museu da Imagem e do Som) em uma exposição que celebrou os 73 anos da cantora e ficou aberta ao público até novembro de 2021.

SANTA RITA

Ainda insatisfeita com a excomunhão, Rita Lee conta no livro que decidiu compor uma música para “exorcizar a praga”.

Foi daí que surgiu a canção ‘Santa Rita de Sampa’, em homenagem à própria cantora, que “havia passado pelos quintos dos infernos e ressuscitado direto para o céu, minha definitiva autocanonização, uma respeitosa e esculhambada adoração à imagem da padroeira dos frascos e comprimidos”, escreve Rita Lee, com seu habitual e mordaz humor.

E completa: “Se no Rio fui excomungada, quem sabe na minha querida Sampa (...) eu ainda poderia negociar uma canonização gauche”.

Entre as dezenas de fotos publicadas na autobiografia, uma chama a atenção: Rita Lee mostra a imagem de Nossa Senhora Aparecida que a mãe, Chesa Jones, deixava em cima da TV durante as apresentações da filha nos festivais de música.

A santa era a salvaguarda da feminista e rebelde Rita Lee, que agora descansa mais perto das mulheres que ela tanto estimava em vida.

Receba as notícias mais relevantes de Vale Do Paraíba e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.