Voltei da Europa faz duas semanas. Ou melhor, voltei de Portugal e da Galícia, que os espanhóis brincam que é mais Portugal do que Espanha.
Fazia dez anos que não viajava à Europa. E o destino, mais uma vez, foi Portugal.
Tudo bem, para nós pouco importa, aterrissei em Lisboa me sentindo, temporariamente, menos presos às raízes latino-americanas.
Será?
Pois voltei a uma Lisboa onde os portugueses se desacostumaram a falar português. Os recepcionistas dos hotéis, os garçons (epa, isto é francesismo), os taxistas, todos inicialmente falam contigo em inglês. E demonstram um surreal estranhamento quando você retruca em português.
Coisas da capital? Que nada. Esbarramos em uma cidadezinha à beira-rio, entre o Douro e o Tejo, onde as garçonetes de origem paquistanesa ou árabe só falavam inglês.
Um taxista de direita, da mesma estirpe daqueles que antigamente, em São Paulo, defendiam o Maluf, sentenciando o “rouba, mas faz”, manifestou preocupação com a invasão brasileira, árabe e africana. “A Espanha já está a nos dominar”, disse.
Pensei em contra-argumentar que, no contexto atual, é mais fácil Portugal abandonar o português para se tornar um resort alemão ou inglês, de grandes proporções. Quase um Varadero europeu.
Mas é melhor deixar de lado, pois os taxistas fazem parte de uma bolha que já existe muito antes do insta, tik tok, telegram, zap e quejandos.
Dias depois, por uma escolha equivocada, fui parar pelo Airbnb no subúrbio de Odivelas, onde também pouco se fala português, mas não se trata, nem de longe, de uma atração turística. O cenário é de uma grande Cohab, pequenos apartamentos construídos em larga escala em uma selva de concreto, com grupos se reunindo pelas ruas durante os dias e a noites.
Um Portugal que não se enxerga, pode-se dizer. Ou uma overdose de mundo globalizado na veia.
Neste mundo, tão hipócrita quanto hostil, nós, aqui, no realidade das barracas espalhadas pelos cinco mil cantos de uma metrópole decadente como São Paulo, teríamos muito a dizer.
No entanto, é melhor para o espírito ainda não contaminado pelas fragilidades comezinhas, rememorar fragmentos de uma viagem recente. Como as reações favoráveis e contrárias à visita de Lula a Portugal, que coincidiu com a minha chegada ao país, e a emoção de participar das comemorações do 25 de abril.
“Bora” citar Fernando Pessoa, nesse mágico reencontro com a Europa. “Valeu a pena? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor.”