ARTIGO

Será mesmo que (não) estava escrito nas estrelas?

Por Francisco Estefogo | 01/05/2023 | Tempo de leitura: 3 min
Membro Titular da Academia Taubatenana de Letras, Francisco Estefogo é pós doutor em Linguística Aplicada pela PUCSP, professor do Programa Mestrado em Linguística Aplicada da Unitau, pós doutorando em Filosofia da Linguagem na UNIFESP e também na PUCSP

Francisco Estefogo
Francisco Estefogo

“O que é seu está guardado”. “Se tiver que ser seu será”. “Se não aconteceu não era pra ser”. Essas são algumas das nossas falas que cotidianamente usamos para legitimar os nossos avanços e/ou frustrações. Certamente, há um quê de superstição e de itens lexicais construídos histórico culturalmente nesses alentos. Como, segundo Espinosa (1632-1677), filósofo holandês, somos movidos pelos desejos e esperanças, ao nos depararmos com o medo, é comum recorrermos às crendices em busca de alento e de proteção. Essa proposição pode explicar a nossa costumeira e irrefreável atração por afagos para os nossos desencantos, por mais paliativos que sejam.  Na mesma seara espinosiana, na tentativa da desconstrução dessa tradição metafísica para reencontrar a nossa essência no mundo, Heidegger (1889-1976), filósofo alemão, discute a importância de estarmos conscientes da nossa existência, inclusive da nossa inexorável finitude, de modo que possamos, assim, agir como seres na nossa conjuntura existencial, considerando a nossa capital potência de transformação. Entende-se, assim, que se algo aconteceu ou não independe da popularidade dos jargões de efeito, quiçá dos equidistantes astros cósmicos. É importante ficar à espreita dessas representações consagradas no imaginário popular que, de algum modo, podem obliterar nosso vigor de fomentar mudanças.

Para muito além dos delírios do mundo astrológico, etéreo e incorpóreo, o modo pelo qual escolhemos viver está embasado na materialidade e na concretude da vida. Portanto, para dois dos maiores representantes do existencialismo, ou seja, além de Heidegger, como já aludido acima, Sartre (1905-1980), filósofo francês, assevera que a responsabilidade é absolutamente fulcral no que diz respeito à liberdade das escolhas para construção no nosso percurso existencial.

A ideia de que construímos o nosso próprio caminho é o que Sartre denomina liberdade. Esse conceito, absolutamente central na corrente filosófica do existencialismo, além de colocar a responsabilidade humana no panteão de nossas ações para permitir – ou não – a condição de existência, dispensa as forças impalpáveis e imateriais. Sob a condição de sermos livres, somos totalmente responsáveis por nossos atos. Destarte, somos livres para pensar, conceber e agir a partir dos nossos próprios paradigmas, oriundos da nossa vivência, e elaborar nossos discursos, dentre tantas outras inúmeras atividades que realizamos no dia a dia. Por conseguinte, os nossos atos são, a rigor, intencionais e, como vivemos em sociedade, a nossa liberdade é um fenômeno que deveria estar atrelada ao nosso compromisso com o nosso futuro, bem como com os que nos cercam. Logo, as escolhas feitas implicam, de alguma forma, a coletividade. Nesse esteio, Sartre nos ensina que “quando dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que o homem é apenas responsável pela sua estrita individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens”.

Na perspectiva existencialista, se atribuirmos os resultados de nossas atitudes e ações às forças ocultas, ou aos famigerados “as coisas são assim porque são”, “o que for será” ou ainda ao romantizado “(não) estava escrito nas estrelas”, a nossa vida se caracteriza como inautêntica e anódina. Embora pareça pessimista o fardo da nossa responsabilidade em relação às nossas escolhas, o futuro depende do comprometimento dos nossos atos hodiernos, posto que as nossas escolhas pela realização de nossos projetos de vida e da nossa existência cabem tão somente a nós mesmos decidir. Ao mesmo tempo, por esse prisma de existência, podemos entender que somos construtores da realidade e da história.

À vista disso, podemos questionar e mudar o status quo.

A julgar pela dificuldade que teríamos para ler o queestá escrito nas longínquas estrelas, o que deve acontecer unicamente na galáxia dos duendes, é mais profilático e sensato elaborar os nossos projetos pessoais assentados nos sonhos e desejos articulados à realidade, aos nossos limites, à solidariedade, à coletividade, à humanização e ao amor. Dessa forma, poderemos, em princípio, prospectar possibilidades de realizações particulares contando com a imprescindível ajuda do outro, assim como da nossa vital determinação e foco.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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1 COMENTÁRIOS

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  • Maria Cecília Camargo Magalhães
    11/05/2023
    Fran, bem interessante seu texto. Como Sartre nosso destino \"não está escrito nas estrelas\" e afetamos o mundo e somos afetados por ele, o que pode limitar nossas ações.