KELMA JUCÁ

Uma estrangeira de terras afins

Por Kelma Jucá | Jornalista
| Tempo de leitura: 2 min
OVALE
Uma estrangeira de terras afins
Uma estrangeira de terras afins

Viajar pode ser um retorno a si mesmo. É o lado de dentro que a gente encontra quando nos movimentamos para fora. O corpo muda a localização geográfica e de algum modo isso nos ajuda a entrar no eixo. Lembra aquela antiga parábola, um tanto desgastada, em que o personagem dá a volta ao mundo para descobrir que o essencial está dentro dele. Como tudo isso se dá é complexo e pertence ao nosso mundo particular.

Pois bem... Eu que não moro na cidade onde nasci, me sinto uma estrangeira a cada regresso. Não vi crianças pequenas se tornarem moças e rapazes. Não acompanhei a gestação de grandes amigas. Também não marco presença nas festas de aniversários da família. Invariavelmente, na hora da dor, estou a 3 mil km de distância.

Passados 20 anos longe de Fortaleza, capital do Ceará, tudo parece diferente nas viagens de férias. Passei a salvo de todo e qualquer incômodo pela construção do metrô, por exemplo. Não acompanhei o alargamento de avenidas, outrora minhas velhas conhecidas e hoje espaços urbanos que sequer sei os nomes.

Mas, a Fortaleza de minha tenra lembrança ainda existe. Sobrevive no meu íntimo e segue intacta em cada afago carinhoso que ganho de uma tia, na cumplicidade eterna de meus primos, na palavra amor escondida nas amizades mais duradouras que cultivo.

Fortaleza vive na minha identificação imediata com o sotaque e o humor peculiares da cidade, nos rostos com traços fortes e morenos que me sorriem nas ruas, no abraço generoso e calmante de meu irmão, no colo e abrigo seguro de minha mãe. Eu não moro mais lá, é Fortaleza que habita em mim.

Na outra ponta, sou uma estrangeira neste lar que hoje me abraça. Ainda desconheço muitas histórias da Taubaté de antigamente, esta tão simpática cidade incrustada no Vale do Paraíba. Aqui, não tenho parentes, mas, pessoas que se tornaram caras à medida que o tempo avança. É sobre quem me acolhe nos feriados em que se costuma estar com a família. É sobre quem se dispõe a me ajudar quando adoeço.

Por estas paragens e à revelia dos meus próprios planos, experimentei daquelas grandes decepções, que só a vida adulta nos reserva. E sobrevivi.

Se o coração pulsa dividido entre o esteio de quem sou e a viga de quem me tornei, sou o resultado da menina que fui com a mulher que encaro no espelho. Sou eu o fruto de minhas decisões com a firme vontade de quem ainda quero ser. Sou processo, e espero estar longe do fim. Dividida entre dois mundos, o melhor é saber que tenho opções onde ficar. Se me sinto estrangeira de terras afins, descubro que estou exilada em mim.

Comentários

1 Comentários

  • Cristiane Duque Sene 10/04/2023
    Que linda maneira de expressar. Como você escreve da pra adentrar os lugares e sentimentos que carrega. Beijos