Dia 18 de outubro de 1964. O Maracanã, maior templo do futebol, está pintado de Fla-Flu.
A bola desfila pelo tapete verde à procura de chuteiras imortais, hipnotizando 136.606 apaixonados torcedores. Por 90 minutos, o Rio de Janeiro para e testemunha o clássico iniciado 40 minutos antes do nada.
Em campo, ainda no primeiro tempo, após passe pelo meio da zaga, Ubiracy recebe e empurra a bola para o fundo das redes rubro-negras: 1 a 0 para o Flu.
Festa pó de arroz!
Literalmente, um gol de cinema, capturado pelas câmeras cronistas do Canal 100. Aos 22 anos, o jovem negro calava o Maracanã.
“O silêncio da torcida do Flamengo no gol de Ubiracy foi mais ensurdecedor do que a comemoração da torcida tricolor”, declarou aos jornais na época o genial Nélson Rodrigues, fanático torcedor do Fluminense.
Com aquele tento, Ubiracy foi alçado aos status de herói. O Tricolor das Laranjeiras seguiu forte rumo ao título carioca, com um escrete repleto de craques, como Castilho, Carlos Alberto Torres e Didi.
A fama entrava em campo. Calar o maior estádio do mundo parecia ser a especialidade do
jovem atacante. Um ano antes, na final dos aspirantes, Ubiracy fez o gol do título contra o rival
histórico Flamengo, diante de 177 mil torcedores. Predestinado, Ubiracy, mineiro de Leopoldina, viveu tempos de glória, ofuscando até mesmo um rei, outro filho das Minas Gerais,
de Três Corações. “O público veio ver Pelé, mas viu Ubiracy”, dizia a manchete do jornal após a vitória de 4 a 2 do Fluminense sobre o Santos em pleno estádio do Pacaembu, pelo Torneio RioSão Paulo, em 1963. Naquela noite, fez dois gols. Foi o rei.
Na sequência da carreira, atuou também por equipes do México, onde se tornou ídolo, e Equador. Futebol era paixão. “A gente jogava por amor”, dizia Ubiracy. Porém, a fama é efêmera. Em 2009, 45 anos após Ubiracy
viver a glória no Maracanã, eu, à época repórter, o encontrei distante dos holofotes. Em silêncio. Aos 66 anos, anônimo, Ubiracy morava em uma casa simples no Parque Três Marias, periferia de Taubaté, e ele não costumava colocar os pés na rua. À época, vivia com uma aposentadoria de R$ 460. Não contava as suas histórias incríveis aos vizinhos, sobre o futebol, temendo que pensassem que ele estava fantasiando. “Aqui, ninguém me conhece, quando está no auge, tem aplausos, depois, ninguém se lembra de você”, me contou o craque.
Para aquietar a saudade, ele lia os velhos recortes de jornal. A memória, seu bem mais valioso, estava em risco. Médicos tinham diagnosticado mal de Alzheimer.
E quando a saudade apertava, Ubiracy sentava-se no quintal, só, com os recortes à mão. Por instantes, voltava no tempo. Parecia ouvir o coro de 150 mil almas. Depois, voltava ao presente. Com o diagnóstico, Ubiracy abateu-se. Parecia só aguardar o tempo passar, até seu apito final. Esperar seu minuto de silêncio.
Em 5 de maio de 2015, Ubiracy morreu. Em silêncio. Um silêncio de ensurdecer o Maracanã.