Era uma vez uma menina de grandes olhos castanhos e de cabelos cacheados; a inocência lhe fazia morada. Ela via o mundo através de óculos especiais, com lentes cor de rosa. Tudo ao redor era lindo e todos eram só bondade e pureza.
E como vivia numa bolha, tão apartada que estava da realidade, perigos não enxergava. De tanto que não cria na maldade, ela não existia. Era um fato. No entanto, isso assim ocorria por que os óculos só lhe permitiam enxergar num curto raio de distância. Do seu umbigo às próprias vontades individuais.
Neste reino encantado, tudo era majestosamente perfeito e adequado aos seus parcos parâmetros de comparação e ao raso conhecimento que tinha do mundo – sem qualquer tipo de ameaça, inclusive de ácaros.
Porém, num dia qualquer, aconteceu. Os óculos caíram. Foi enquanto pulava amarelinha e distraidamente se envolveu com uma borboleta azul índigo que brincava no babado de seu vestido rodado. Os óculos se espatifaram no chão.
Foi um choro doído aquele. E como quem se cansa de tanto verter lágrimas, pôs-se a descansar. Recostou-se numa pedra. Depois deitou, exausta e desidratada que estava. Cochilou e entrou num sono profundo. Quando abriu os olhos já não era a mesma menininha tímida. A vista amadurecera e agora enxergava para perto e para longe.
Solitária, compreendia o novo mundo que lhe saltava aos olhos. Dali em diante, passava a enxergar a realidade nua e crua. Sem filtros. Era um choque. Mas, viver parecia um desafio que valia a pena. Evoluíra para uma moça curiosa.
Numa alquimia simbólica, quase um rito de passagem, ela enterrou os cacos dos óculos nas memórias do coração. E entendeu. Não precisava mais da superproteção que lhe castra as potencialidades da existência. Bastava-lhe coragem. E foi viver. Para além de onde a vista alcança.