ENTREVISTA

‘Brasil sofreu um rebaixamento quanto à liberdade de expressão’, diz Taís Gasparian

Por Xandu Alves | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 4 min
Divulgação
Taís Gasparian (ao centro, de amarelo) e advogadas do Instituto Tornavoz premiadas pela ANJ
Taís Gasparian (ao centro, de amarelo) e advogadas do Instituto Tornavoz premiadas pela ANJ

Advogada especialista na área do direito civil relacionado à mídia, à publicidade e à internet, Taís Gasparian sabe o quanto a liberdade de expressão representa num ambiente democrático.

Para defendê-la, ela foi uma das criadoras e dirige o Instituto Tornavoz, que reúne advogadas para financiar a defesa de pessoas que tiveram a liberdade de expressão inibida, atacada ou censurada.

Advogada do jornal Folha de S. Paulo, Gasparian e o Tornavoz foram homenageados com o Prêmio ANJ (Associação Nacional de Jornais) da Liberdade de Imprensa de 2022.

Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito, a advogada fala sobre a importância do instituto, da liberdade de expressão e dos ataques a veículos da imprensa. Confira.

O que representa o prêmio da ANJ?

As atividades do Tornavoz são recentes. Uma premiação, neste momento, para o instituto, representa um incentivo muito importante para o momento político que estamos vivendo. Pessoalmente, representa um reconhecimento da minha contribuição para a expansão da defesa da liberdade de imprensa nesse ambiente de crescentes ameaças e dificuldades enfrentadas pelo jornalismo.

Por que decidiu criar o Tornavoz?

Como trabalho há muitos anos nessa área do Direito decidi, com mais cinco mulheres, contribuir na defesa jurídica de jornalistas e veículos de mídia impressa e digital. Isso porque nos preocupamos com o quanto os veículos de comunicação locais de mídia digital estão vulneráveis. Há uma crescente instrumentalização do Poder Judiciário para inibir e intimidar a mídia. Os veículos, sem capacidade econômica ou estrutural de responder ao assédio judicial, sofrem demais, e alguns podem até ser fechados.

Entendemos, então, ser relevante proporcionar alguma segurança para jornalistas e para os veículos de mídia, principalmente aqueles que não tem tanta estrutura em seu organograma para contar com advogados e se defender. Entendemos que a imprensa, a mídia em geral e o livre fluxo das informações são essenciais numa democracia, e, por isso, estamos disponibilizando o que sabemos para contribuir na defesa desse setor.

Temos visto muitas tentativas de censura no Brasil. Felizmente, de modo geral, o Poder Judiciário tem protegido o direito fundamental à liberdade de expressão, ainda que às vezes com certa lentidão.

Com tantos ataques à imprensa, vê risco à liberdade de expressão?

O cenário é preocupante. De acordo com diversos índices que medem a liberdade de expressão nos países, o Brasil sofreu um rebaixamento no que diz respeito à liberdade de expressão. Há um reconhecimento do mundo todo, praticamente, de que o Brasil tem hoje em dia a liberdade de expressão mais ameaçada. Os veículos são ameaçados, os comunicadores são ameaçados. Os veículos estão sendo muito mais processados e atacados especialmente desde 2018.

Que efeito tem para a liberdade de imprensa quando o próprio presidente ataca veículos da mídia profissional?

O efeito da conduta do presidente da República é o incentivo à perseguição e ataques à imprensa e sobretudo às mulheres jornalistas, através de xingamentos e atitudes desrespeitosas, misóginas e machistas. Ele acaba dando exemplo para muita gente repetir atitudes assim.

Como advogada de Folha, a sra. vem tendo muito trabalho no governo Bolsonaro?

A Folha, como muitos outros veículos de mídia, vem sofrendo ataques sucessivos. Processos se sucedem, numa verdadeira tentativa de constrangimento e silencimento.

Qual o risco de um país sem imprensa profissional?

Uma imprensa profissional e livre é pilar da democracia, para o exercício dos direitos. Sem imprensa, não há meios confiáveis a se recorrer para uma apuração séria e isenta dos fatos. Além disso, o sucesso da imprensa depende da credibilidade do seu conteúdo e é por isso que, em larga medida, zela pela verdade.

Como a sra. vê a onda de desinformação e de fake news que aumenta desde as eleições de 2018?

A desinformação mina a democracia. A divulgação de informações incorretas manipula a opinião pública. Acredito que esse seja o maior dano. Por essa razão é preciso questionar informações que recebemos sem uma fonte confiável. A apuração jornalística séria, feita pela imprensa, é essencial nesse contexto, porque joga luz naqueles que querem a sombra.

Bolsonaristas dizem que há perseguição do Judiciário a canais ligados a eles, como Jovem Pan, Brasil Paralelo e outros. A sra. vê exagero na conduta do TSE e do STF?

Difícil analisar as condutas dos Tribunais Superiores nesse contexto tão delicado e excepcional em que vivemos. Não advogo na área eleitoral e prefiro não comentar decisões que não li.

Numa democracia, é melhor liberar tudo em nome da liberdade de expressão ou há que se ter limites?

O país nunca teve uma discussão séria sobre o que vem a ser a liberdade de expressão. O estudo sobre o assunto é recente e nem a academia, o Judiciário e os advogados chegam a um consenso mínimo. Não acredito, de toda forma, em qualquer conversa sobre liberdade que começa por analisar os limites. De acordo com a Constituição Federal, a liberdade de expressão no país é ampla, e é proibida qualquer censura.

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