
A nova pobreza.
Na casa de Nathália Ramos, 27 anos, a escassez é só o que sobra.
Despensa com poucos mantimentos, geladeira quase vazia, sem água encanada, energia elétrica religada após negociação de dívida e cinco pessoas dividindo o mesmo espaço.
Desemprega, ela vive com o filho de 3 anos e a filha de 9, mais os pais que têm problemas de saúde, numa casa em Vargem Grande, bairro rural da zona norte de São José. Ambos.
“Nossa situação é muito difícil. Estamos sobrevivendo com a ajuda das pessoas. Não consigo trabalhar porque tenho que cuidar do meu filho, que não enxerga”, conta a mãe, que conseguiu um benefício social para o filho que lhe garante salário mínimo por mês.
A vida de Nathália é a regra de milhares de outras famílias do Vale do Paraíba, região do estado de São Paulo onde a pobreza mais aumentou nos últimos anos, de acordo com o Mapa da Nova Pobreza.
O estudo foi feito pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) Social, que calculou o número de pessoas em todo o país que vivem com menos de R$ 497 por mês. São Paulo está entre os 10 estados em que o número de pobres mais aumentou durante a pandemia.
Em todo o estado, aponta o levantamento, a pior situação está na RMVale, região em que 21,69% da população está abaixo da linha da pobreza e é onde mais piorou na pandemia. Em 2019, essa população era de 14,60%.
Atrás da RMVale está a região Sudeste de São Paulo, onde está o Vale do Ribeira, com 19,85%. Campinas tem 12,12% da sua população vivendo abaixo da linha da pobreza, o menor percentual do estado.
Pelos números da FGV, o Vale tem 563,7 mil pessoas abaixo da linha da pobreza, população em vulnerabilidade social que supera todas as cidades da região em número de pessoas, com exceção de São José dos Campos.
Percentualmente, a região tem mais pobres do que a capital, que contava com 12,26% da população abaixo da linha da pobreza em 2019, antes da pandemia, índice que subiu para 17,46% no ano passado.
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No Brasil, o contingente de pessoas com renda per capita até R$ 497 mensais passou de 62 milhões em 2021, quase 30% da população do país. São 9 milhões a mais do que em 2019. Esses 9 milhões de pessoas é quase a população de Portugal, ou seja, um país inteiro com pessoas que ficaram pobres ao longo da pandemia.
Diretor da FGV Social, o economista Marcelo Neri disse que o aumento da inflação e do desemprego, além de oscilações em políticas sociais, ajudam a explicar o fenômeno da pobreza.
“Houve um aumento da inflação que corroeu o salário e a renda em geral dos trabalhadores. E, além disso, os auxílios emergenciais, Auxílio Brasil e Bolsa Família, flutuaram muito durante a pandemia”, afirmou.
“Então, diria que a dificuldade no mercado de trabalho e as flutuações da política social são os dois grandes determinantes desse empobrecimento da população paulista.”
O economista disse que o combate à miséria precisa de programas sociais que alcancem mais pessoas, mas não só isso.
“São necessários programas como Auxílio Brasil, ações estaduais e locais de geração de renda, mas, acima de tudo, para ter o bom combate a longo prazo da pobreza, é preciso recuperar a educação”, afirmou Neri.
“A gente teve um atraso na performance escolar exclusivo nos estudos do estado de São Paulo. E a gente tem que voltar à geração de renda. O emprego está voltando, esta é a boa notícia, mas de uma forma insuficiente a compensar o impacto da inflação.”
O estudo da FGV, segundo Neri, mostra que 2021 é o “ponto de máxima pobreza dessas séries anuais para uma variedade de coletas amostrais, conceitos de renda, indicadores e linhas de pobreza testados”.