Figo e mel


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Neste Domingo de Ramos o prato sugerido exibe entre seus ingredientes figo e mel, alimentos presentes nos textos bíblicos onde sustentam figuras de estilo como a parábola e a metáfora
Neste Domingo de Ramos o prato sugerido exibe entre seus ingredientes figo e mel, alimentos presentes nos textos bíblicos onde sustentam figuras de estilo como a parábola e a metáfora
Nesta época do ano, entre fins de março e começo de abril, as figueiras da Palestina encontram-se enfolhadas. Há muitas dessas árvores milenares no lado oriental do Monte das Oliveiras. Se o turista que por ali caminha prestar  atenção e afastar as folhas,  poderá ver junto aos galhos um tipo de  botões a que os árabes chamam taqsh. Eles amadurecem e caem, quando não consumidos, e são a sinalização de que a safra será abundante: os bons figos virão depois destes, precursores, e estarão volumosos, hidratados, perfumados e roxos  em  agosto. Esta é a época de colhê-los. Mas há figueiras que produzem frutos precoces, menores e menos doces, que  amadurecem  no final de junho. 
 
A figueira, como a vinha e a oliveira, é uma das árvores que representam a abundância no universo bíblico e na tradição judaico-cristã. Há os que, fazendo sua exegese, acreditam que era uma figueira a árvore do Bem e do  Mal, já que foi com folhas de figueira  que Adão e Eva cobriram seus sexos assim que tiveram consciência da gravidade de sua desobediência. As figueiras formam uma enorme família vegetal, dividida em 75 gêneros e 3 mil espécies. Dizem que Buda se sentava à sombra de uma para falar aos seus discípulos. Mas era de outro tipo, diferente das que aparecem em parábolas protagonizadas por Cristo no Novo Testamento. A árvore em cuja sombra Buda fazia suas reflexões seria a nossa figueira brava, cujos frutos são comidos apenas por animais.
 
Os Evangelhos, enquanto textos, são ricos em imagens naturais. Sendo Israel na época uma sociedade agrícola, é perfeitamente natural e até mesmo esperável que muitos dos exemplos, ilustrações, comparações e metáforas usadas pelos profetas e apóstolos, bem como pelo próprio Jesus, fossem ligadas a esta vivência. Foi na véspera de um dia como o de hoje,  que relembramos como  Domingo de Ramos, que Jesus Cristo, tendo saído de Betânia rumo a Jerusalém, parou num lugar chamado Betfagé.  Dali enviou seus discípulos para encontrarem um jumento, que montaria para entrar triunfalmente em Jerusalém.
 
O nome do povoado, Betfagé, significa “lugar de figos”, ou seja, ali existiam muitas destas árvores. E foi ali, tem-se como certo a partir das Escrituras, que sentindo fome  Cristo buscou frutos numa figueira. Os evangelistas Marcos  e  Mateus citam, com sutis variações,  este episódio que serviria de suporte para uma das mais enigmáticas passagens do Novo Testamento. Jesus busca figos na árvore que, segundo Marcos,  “não tinha senão folhas, porque não era tempo de figos”. Então, a amaldiçoa,  e ela seca. No dia seguinte, Pedro comenta: “Olha, mestre, secou a figueira que amaldiçoaste”. A pequena narrativa  tem suscitado dezenas de interpretações , e todas acabam recaindo na transcendência ao avaliar o binômio fecundidade/ esterilidade.  
 
Esta é uma página para assuntos culinários, mas de vez em quando me permito viajar. Até porque li recentemente que um  chef espanhol deve lançar até o final do ano livro com  o cardápio dos judeus da época de Jesus. Sua pesquisa segue alentada e ele já antecipou que ao lado de cordeiros, peixes, lentilhas, trigo, tâmaras  e pães, aparecem figos e mel. 
 
O mel  é alimento conhecido na Palestina desde tempos imemoriais. A sobejamente descrita Canaã  como “terra onde mana leite e mel”, indica que as abelhas eram bem numerosas nesta época, naquele lugar. O clima quente e a abundância de flores continuam a fazer dele espaço apropriado para a grande população de abelhas. São vinte mil variedades e a apicultura tornou-se muito popular no século XXI.  A espécie mais comum é uma abelha escura chamada Apis mellifica syriaca; mas não é a ela que se referem as passagens bíblicas. O mel comido por João Batista no vale do Rio Jordão ou o que alimentou Jonathan na sua campanha militar, por exemplo, era produzido por abelhas silvestres.
 
Figo combina com mel, mas esta dupla não aparece reunida em nenhum relato religioso. Judeus apreciavam os figos in natura e o mel era geralmente misturado à água, como o faziam os gregos.  Mas é pela beleza de um e a doçura de outro que os reúno e  trago como sugestão de entrada para um  dia em que se prepara almoço especial. Também entram na composição fatias bem finas de  presunto cru, aceto balsâmico (pouco presente no receituário brasileiro, o que é uma pena) e folhas bem frescas de manjericão.  Comece  limpando  os figos com papel  toalha, sem lavá-los. Corte-os ao meio, na longitudinal, deixando os cabinhos.  Num prato grande coloque-os com a casca para baixo, polvilhe açúcar e regue-os com o aceto balsâmico. Deixe descansar por quinze minutos. Enquanto eles tomam gosto, lave e seque as folhas de manjericão e reserve. Separe  as fatias de presunto cru e reserve.  Numa frigideira derreta a manteiga em fogo médio.  Coloque os figos, um a um, com a parte interna para baixo e espere que caramelizem, o que deve levar uns quatro minutos. Vire os figos, mantendo por mais quatro minutos com a casca para baixo. Apague a chama e reserve a calda. Em cada prato individual disponha fatias de presunto, cruzando-as. Elas serão a base onde as metades dos figos serão colocados. Derrame  sobre as frutas o líquido que sobrou na frigideira e corra um fio de mel sobre elas. Decore  as laterais do prato com as folhas  de manjericão e sirva esta entrada perfumada e saborosa.
 
 
INGREDIENTES
 
 8 figos maduros e firmes
 16 fatias bem finas de presunto cru
 2 colheres (sopa) de açúcar
 2 colheres (sopa) de aceto  balsâmico
 2 colheres (sopa) rasas de manteiga
 4 colheres (sopa) de mel
 
porção: 4
dificuldade: Fácil
preço: médio

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