Assisti, nas redes sociais, a um vídeo em que mulheres negras, que vieram do Senegal para o Brasil, falavam de sua experiência em nosso país. Disseram que “nunca na vida haviam pensado que eram negras.” Muitos não compreenderam o que elas quiseram dizer. Depois de muitos ataques, elas explicaram: “Até então, só achávamos que éramos humanas. Ser negro não era algo com que se preocupar. A ideia de hierarquias raciais não era parte de nossa realidade, pois no Senegal praticamente todos são pretos”. Elas diziam do choque cultural que tiveram ao chegar ao Brasil. Foram alvos de uma segregação que não se mostra de forma clara, mas é perfeitamente perceptível pelos que a vivem. Sentiram o peso do preconceito racial e perceberam-se, muitas vezes, excluídas.
Minha mente viajou nos navios negreiros, junto com meus ancestrais. A gente tem dificuldade de compreender que valores discriminatórios não estão só nas mentes, mas nas veias (alguns dizem “na estrutura social”), formando a manifestação de comportamentos atávicos que perpetuam percepções distorcidas de beleza, inteligência, capacidade, humanidade... Houve um tempo em que nós, brasileiros, podíamos expressar nosso pensamento racista sem as peias da justiça, que hoje, felizmente, estabelece limites e criminaliza a discriminação, mesmo que, na maioria das vezes, somente no discurso. Assim, a ideia de um ser inferior, sem alma, sem beleza, sem cultura, subalterno, sem inteligência ainda perpassa nosso jeito de compreender a vida e é só por isso que, como grupo humano, nós negros estamos aprendendo sobre autovalorização e isto passa, também, pela denúncia daquilo que nos agride como raça, pela busca de direitos humanos, pelo confronto com aqueles que querem nos deixar no lugar em que fomos colocados desde nossa escravização e talvez, principalmente, no resgate de uma história de luta e resistência, que acontece antes e depois de quando nós, negros escravizados, fomos descartados e jogados à rua, para viver o início de uma nova escravidão.
Já compreendemos que nós é que nos libertaremos, mas não sozinhos, pois somos parte do grupo humano. Desde o primeiro dia após o 13 de maio de 1888, temos construído um modo de nos sentirmos dignos, de ascender como raça, para além dos valores que foram introjetados em nós, negros, brancos, amarelos, vermelhos e outros e que nos levou a esta percepção inferiorizante da pessoa negra. Sem dúvida, é hora de deixarmos de lado nossas justificativas individualistas baseadas na democracia racial, na tentativa de apagar o que a maioria vive: discriminação e preconceito.
Não vamos aqui dar fórmulas mágicas de superação desta realidade de opressão consciente e inconsciente, disfarçada nas rígidas estruturas. Por enquanto, há de se ter leis que inibam a discriminação, mas queremos acreditar que a Educação escolar e familiar de negros e de brancos pode, gradativamente, trazer Consciência sobre as questões, indigestas mas necessárias, relacionadas à Consciência Negra, para que este dia não seja somente mais um feriado a nos dar a sensação de que, ao respeitá-lo, já estejamos fazendo nossa parte. É a noção de grupo humano que deve nos guiar rumo a esta Consciência, a meu ver, única, que pode nos induzir à colaboração mútua, pois que todos nós ainda precisamos nos tornar gente de verdade, independentemente da cor de nossas peles, mas com consciência histórica e humana, que permitam a equidade social e o resgate de um povo que precisa se libertar das atuais senzalas.
José Antonio Pereira é membro da Academia Francana de Letras, cadeira de número 9, cujo patrono é Abdias do Nascimento.
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