Na Escola Estadual Adalgiza de José Gualtieri, em Franca, a professora Rita Muzzeti encontrou uma forma criativa de mostrar que a educação pública pode ser sinônimo de qualidade, inclusão e transformação social. Desde fevereiro, ela comanda o Almanaque, um projeto que vai muito além de registrar eventos pontuais: ele revela o dia a dia da escola, valoriza o trabalho dos professores e, principalmente, dá protagonismo aos alunos.
“O que eu queria era mostrar a rotina real da escola, não só divulgar uma festa ou um evento especial. Mostrar o professor ensinando, o aluno fazendo atividade, o talento que muitas vezes passa despercebido”, explica Rita. A ideia começou pequena, com poucas páginas, e cresceu rapidamente: a 13ª edição, prestes a ser lançada, tem 75 páginas.
O Almanaque é distribuído digitalmente nos grupos de WhatsApp da escola, separados por série, e chega diretamente aos pais. Essa aproximação tem surtido efeito: “Os pais confiam mais na escola, se sentem mais seguros ao verem o que os filhos estão aprendendo e como estão se desenvolvendo. Agora eles perguntam: ‘Rita, quando sai o próximo?’”, conta.
Descobrindo talentos escondidos
Um dos maiores impactos do projeto foi revelar talentos que, antes, ficavam ocultos. “Tinha aluno tímido, quietinho, que ninguém imaginava que sabia cantar ou tocar instrumento. Descobrimos crianças excelentes no esporte, na arte, na escrita. E todos participam — não tem seleção. Todos têm espaço".
Na edição mais recente, quatro alunos da educação especial ganharam a capa, depois de realizarem experimentos junto com a professora. “Queremos mostrar que a inclusão é real. Não existe ‘escolher’ quem vai aparecer. Todo mundo faz parte".
Além disso, atividades criativas reforçam o sentimento de pertencimento. Recentemente, Rita transformou fotos dos estudantes em desenhos para que eles mesmos pudessem colorir. “Não contei nada. Coloquei as folhas e lápis de cor no refeitório e fiquei observando. Quando eles se reconheciam, pulavam, me abraçavam. Uma criança disse: ‘Nossa, que lindo!’. É pouco, mas faz muita diferença".
A professora também criou versões em estilo anime e promove concursos para que os alunos adivinhem quem é quem, sempre premiando com livros físicos — muitos de autores francanos. “Temos plataformas digitais, mas eu quero que eles também tenham o contato com o livro físico, que levem para casa".
Impacto direto na aprendizagem
Os efeitos do Almanaque não se limitam ao lado emocional. “A autoestima elevada está refletindo no desempenho. Eles querem produzir textos para ver publicados. E não é comum crianças de 7 a 9 anos se interessarem tanto assim por escrita. Trabalhando o socioemocional, conseguimos melhorar o aprendizado dentro da sala".
A sala onde o Almanaque é produzido vive cheia. “Eles chegam para mostrar um desenho, uma foto, uma ideia. Se sentem valorizados, e isso muda tudo. A gente vê a criança mais segura, mais interessada. Até o comportamento melhora".
Família e escola mais próximas
O projeto também tem aproximado as famílias. Os pais enviam fotos de momentos do cotidiano, desde passeios na praça até o novo cachorro de estimação, para serem publicadas. “Não precisa ser uma viagem cara para entrar no Almanaque. A mãe manda: ‘Olha, fomos ao poli domingo’, e lá está a foto. Isso faz com que a escola entre na casa e a casa entre na escola".
Segundo Rita, os pais da comunidade já eram participativos, mas agora o envolvimento é maior e mais constante. “A gente sabe que existe o problema da ausência dos pais em algumas escolas. Em vez de só reclamar, resolvemos criar uma forma deles estarem presentes, mesmo que virtualmente. E eles abraçaram a ideia".
Uma vitrine da educação pública
O sucesso do projeto tem feito com que o Almanaque ultrapasse os muros da escola. “Tem criança que manda para parentes na Itália, em Portugal. É uma vitrine do que acontece aqui dentro. Mostra que a educação pública pode ser inovadora e de qualidade".
Para Rita, o segredo é não separar a vida do aluno dentro e fora da sala. “Quem é você no mundo? O que você sabe fazer? Quem são seus pais? Você tem um cachorro? O que todo mundo elogia em você? Nós trazemos tudo isso para dentro da escola. O aluno precisa se sentir pertencente e valorizado. Se ele não gosta da escola, se não se sente incluído, isso repercute de forma negativa na aprendizagem".
E conclui: “Quando você coloca o aluno no centro do processo, ele aprende melhor. O Almanaque não é só um registro: é um espelho onde eles se veem como parte importante da escola e da comunidade".
Os curiosos podem conferir um pouco do projeto no Instagram da escola: @escolaadalgisafranca
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Comentários
2 Comentários
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Beto Chagas 16/08/2025A professora Rita Muzetti é um poço de excelência e criatividade, que preferiu investir o seu talento na educação pública e tem demonstrado ao longo dos anos, que é possível, sim, oferecer educação de qualidade mesmo nesse oceano de desmandos pedagógicos. E tem encontrado boas parcerias entre os gestores das escolas por onde passa. Quem deve estar bem feliz é a patronesse da escola, a saudosa Irmã Adalgisa de São José Galtieri, que formou gerações de competentes educadoras no extinto Colégio Nossa Senhora de Lourdes. -
Darsio 16/08/2025Em se tratando de ensino fundamental anos iniciais, gostaria de saber por qual motivo muitos alunos chegam ao sexto ano com grave defasagem na alfabetização e nas operações matemáticas básicas? Afinal, tanto na prefeitura como no Estado as escolas de anos iniciais vivem sendo glorificadas pelos resultados tanto no SAEB como no SARESP. Seus resultados são verdadeiros ou maquiados?