OPINIÃO

O orçamento público virou moeda de troca – e quem perde é você!

Por Miguel Francisco | Especial para o GCN
| Tempo de leitura: 5 min
Ilustração

Se há algo que une políticos de diferentes partidos e ideologias, é a sede por controle sobre o orçamento público. Não importa se o cenário é o governo federal, com Lula, o STF e o Congresso Nacional, ou a cidade de Franca, onde a Câmara Municipal, sob o comando de Daniel Bassi, trava um embate contra o prefeito Alexandre Ferreira: a disputa nunca é pela transparência e eficiência das destinações, mas pelo poder de decidir quem recebe o dinheiro e, principalmente, sob qual apadrinhamento será feita a benesse. No final, pouco importa quem vença essa queda de braço – o perdedor será sempre o contribuinte.

No plano nacional, o embate entre Lula e o Congresso tem ganhado cada vez mais uma face judicial. De um lado, Lula tenta recuperar o controle sobre as verbas federais, que nos últimos anos passaram a ser distribuídas pelo Congresso através das chamadas emendas impositivas – inicialmente apresentadas como um avanço democrático, mas que logo se transformaram no já famoso “orçamento secreto”. O STF, por sua vez, assumiu o papel de árbitro dessa briga, com a justificativa de garantir mais transparência. Mas sejamos realistas: a preocupação do Supremo não é a moralização do sistema, e sim garantir que o Executivo tenha mais força para negociar com o Legislativo e retomar a velha prática do toma-lá-dá-cá.

Infelizmente, não há herói nessa história. O Legislativo tem tomado para si o controle das verbas, deixando o Executivo de mãos atadas e comprometendo a capacidade de execução orçamentaria do governo. O resultado? Um Brasil cada vez mais paralisado por interesses paroquiais, onde o dinheiro público não flui para onde realmente é necessário, mas sim para atender a interesses políticos imediatos de deputados, senadores e agora... vereadores.

Em Franca a ópera é a mesma. A Câmara Municipal, sob a liderança de Daniel Bassi, aprovou a toque de caixa, em primeiro turno, um projeto que dobra o valor das emendas impositivas, passando de 1,2% para 2% do orçamento municipal. A manobra coloca diretamente nas mãos dos vereadores cerca de R$ 32 milhões anuais, retirando do Executivo a autonomia para decidir onde investir boa parte dos recursos da cidade. Traduzindo: quem controla o orçamento, controla a política pública. E quem controla a política, tem em suas mãos a chave para influenciar eleições, trazer para si associações e beneficiados, assim garantindo lealdades.

No entanto, o projeto ainda precisa passar por uma segunda votação, e o que antes parecia um processo acelerado agora foi levado a mesa de negócios. Oficialmente, Bassi justificou o adiamento afirmando querer garantir a presença de todos os vereadores na sessão, já que alguns estão afastados por problemas de saúde. No entanto, nos bastidores, o verdadeiro motivo é a negociação em curso entre a Câmara e a Prefeitura para definir os termos do aumento das emendas.

Mas Daniel Bassi não age sozinho. Sua recém adquirida destreza reflete a estratégia de seu novo padrinho político, Gilberto Kassab, que atualmente controla o orçamento estadual ao lado do governador Tarcísio de Freitas. Assim como Kassab faz com o estado de São Paulo, Bassi quer transformar a Câmara Municipal de Franca em um polo de distribuição de verbas para base, consolidando seu poder sob a defesa corporativista do legislativo e enfraquecendo o prefeito.

O prefeito Alexandre Ferreira, por sua vez, mostrou-se incapaz de barrar o avanço da Câmara sobre seu orçamento. Sua fragilidade política, aliada à falta de articulação, faz com que esteja prestes a perder o controle sobre os investimentos da cidade e agora terá que negociar com vereadores que podem travar projetos, boicotar iniciativas e usar o orçamento como ferramenta de barganha.

Essa disputa pelo orçamento reflete um problema estrutural da política brasileira. Prefeitos, governadores e até presidentes sofrem com essa fragmentação do orçamento, que antes era controlado pelo Executivo, depois passou para a mão do Congresso e agora está sendo picotado ainda mais.
Se antes o orçamento estava “sequestrado” por um executivo que se preocupava com o próximo pleito, agora ele será dividido em 15 pequenos cativeiros políticos – e, ao contrário de um resgate real, o dinheiro público jamais voltará para sua verdadeira família: a população. O cidadão continua pagando, mas os recursos seguem sendo desviados para alimentar projetos de poder e perpetuar interesses políticos locais.

Kassab, secretário de Governo e dono do PSD – partido de Bassi e Flavia Lancha –, construiu um império dentro da gestão estadual ao concentrar o controle do orçamento nas mãos de sua pasta, garantindo influência sobre prefeituras e consolidando seu partido como peça central no tabuleiro político paulista. No entanto, essa influência começou a desagradar o governador, que agora tenta conter o crescimento de Kassab. A disputa ficou evidente quando a Alesp reduziu drasticamente o orçamento da Secretaria de Governo, forçando Kassab a recorrer a outras instâncias para manter seu domínio. Conseguirá Alexandre fazer o mesmo?

Enquanto políticos brigam para decidir quem controla o dinheiro público, serviços essenciais são sucateados, investimentos estratégicos são deixados de lado e a transparência se torna apenas uma palavra bonita usada em discursos eleitorais. O orçamento público deixou de ser um instrumento para melhorar a vida da população e se tornou uma ferramenta de barganha política, onde os interesses pessoais e eleitorais sempre falam mais alto.

Independentemente de quem vença essa disputa – seja Lula e STF ou o Congresso, Daniel Bassi ou Alexandre Ferreira, Kassab ou Tarcísio –, o resultado final tende a ser o mesmo: mais poder para os políticos, menos transparência para a população e um sistema cada vez mais refém do jogo de interesses de quem deveria estar administrando o dinheiro público em favor da sociedade, e não de seus próprios projetos de poder.

Miguel Francisco é coordenador do Movimento Brasil Livre, estudante de Direito na UNESP de Franca e Colunista no portal GCN.

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Comentários

4 Comentários

  • jaques campos 2 dias atrás
    O artigo aborda a questão de uma forma superficial, mostra o contorno das articulações politicas, não acusa a corrupção envolvida no processo com a falta de transparência dessas emendas, que foram implantadas, notadamente no governo Bolsonaro, e vem sendo questionadas pelo Supremo em consonância com a constituição.
  • Renato Oliveira 2 dias atrás
    Essa matéria explica direitinho por que o Brasil nunca anda pra frente. Os políticos fazem de tudo pra colocar a mão no orçamento, e quem paga a conta somos nós. O pior é que não tem um lado certo nessa história: tanto em Brasília quanto em Franca, estão todos de olho no dinheiro, e ninguém pensando na população. Parabéns pelo artigo, retratou bem essa bagunça!
  • Mariana Figueiredo 2 dias atrás
    Bassi e sua turma na Câmara de Franca estão aprendendo direitinho com o Kassab como fazer política do jeito errado. O orçamento não é um prêmio para vereadores distribuírem como quiserem, é dinheiro da população! E no nível federal, Lula, STF e Congresso só brigam pra ver quem manda mais, não pra resolver nada. Excelente texto, descreveu bem esse absurdo!
  • Carlos Andrade 2 dias atrás
    É exatamente isso! O orçamento virou moeda de troca entre políticos que só pensam na próxima eleição. Em Franca, a Câmara quer tomar conta do dinheiro pra fortalecer seus próprios interesses, e no Brasil inteiro a história é a mesma. Enquanto isso, saúde e educação seguem largadas. A população continua pagando impostos, mas não vê nada de volta. Ótima análise!