
"Algo deve mudar para que tudo continue como está"
Giuseppe Lampedusa, escritor italiano
Imagine um sujeito que seja dono de um Fusca, digamos, azul. O carro é pequeno, lento, e a despeito de quem o considere charmoso, nem se compara em eficiência, capacidade e conforto aos veículos modernos. Não tem ar-condicionado, direção hidráulica, câmbio automático. Não tem nem vidro elétrico. Zero espaço para bagagem. É com este carro que o sujeito tem que transportar a família, fazer compras no mercado, ajudar os parentes mais necessitados, eventualmente viajar... É o que ele tem.
Um dia, num churrasco de família, um tio com melhores condições financeiras diz que ele precisa trocar de carro. Que não tem sentido continuar com aquele Fusca caindo aos pedaços. Faz uma vaquinha com outros parentes mais abastados, mas avisa: “não é dado, você vai ter que pagar”. O sujeito fica feliz, apesar da dívida, de tamanho incerto e com prazo de pagamento desconhecido. O que importa, pensa, é que enfim vai ter um carro novo. O tio avisa que vai procurar um especialista para indicar o veículo ideal para a família. O dono do Fusca começa a sonhar com um SUV, mas o tio recomenda paciência. A pesquisa pelo carro ideal sempre demora, mas o que importa é que ele terá um carro muito melhor.
Meses se passam e o sujeito já estava achando que era tudo um trote. Chega o convite para um novo churrasco de família. Pouca gente vai neste, mas o dono do Fusca não falta. Ao chegar lá, encontra o tio, que confirma, orgulhoso: é hoje que ele vai receber o carro novo.
Há todo um clima de suspense e quase euforia. Em frente à casa, os parentes se aglomeram enquanto o tio sai para buscar o “presente”. Quando enfim chega dirigindo o veículo, a decepção é geral. O carro novo é um... Fusca. O mesmo veículo pequeno, sem espaço para a família ou carga, barulhento e desconfortável, ruim para viajar, sem ar-condicionado, sem direção hidráulica, sem vidro elétrico. Só a cor é diferente. Indiferente ao espanto geral, o tio celebra. “É outra coisa, tem melhor performance. Você vai economizar no combustível. Claro, tem o financiamento, mas vai caber no seu orçamento. Fique tranquilo”, avisa. O sobrinho, incrédulo, mantém silêncio.
Tudo que está descrito acima é um mero exercício ficcional, mas aposto que quem tem acompanhado a discussão do novo sistema de transporte coletivo de Franca - desde o anúncio feito pelo prefeito Alexandre Ferreira (MDB) de que romperia o contrato com a Empresa São José e faria uma outra licitação, ainda em 2023, até o resultado do estudo contratado pela prefeitura e apresentado nesta última semana pelos técnicos da ANTP (Associação Nacional de Transporte Público) - ficou com a mesma sensação de quem acompanhou o “sobrinho” diante do presente do “tio”. Afinal de contas, vamos pagar R$ 22,3 milhões anuais, valor do subsídio a ser bancado com recursos municipais, exatamente pelo quê?
Difícil não pensar que estamos trocando seis por meia dúzia. Resumidamente, o “novo” sistema apresentado parece idêntico ao atual. Não muda a bilhetagem, não renova a frota, não inclui ar-condicionado nos ônibus, não contempla um novo terminal central e nem passa perto de considerar a hipótese de ter parte dos ônibus elétricos. Também não há nenhum sinal de criação de uma autoridade municipal específica para gerenciar e fiscalizar o contrato, que deve seguir debaixo das asas da Emdef (Empresa Municipal para o Desenvolvimento de Franca), o que, a história tem mostrado, simplesmente não funciona. Até o tamanho da frota segue mais ou menos a mesma coisa, com aumento de meia dúzia de veículos. Há a promessa de que é o suficiente para proporcionar alguma melhora no número de partidas, especialmente no caso de linhas noturnas. A conferir, sem grande otimismo.
Mudanças substantivas, apenas duas: a primeira, a redução no preço da passagem, que cai de R$ 5 para R$ 4. E de onde virá o dinheiro para bancar a tarifa menor? Dos cofres municipais. É dali que sairão, todos os anos, os R$ 22,3 milhões necessários para que a empresa vencedora da licitação opere o sistema com a tarifa a R$ 4. Ou seja, a diferença é paga pela prefeitura com o dinheiro que arrecada de cada um de nós.
Não sou, pessoalmente, contra subsídio. Todos os lugares do mundo que têm transporte público digno subsidiam fortemente o sistema. A conta de um modelo bom e eficiente com tarifa razoável nunca fecha sem subsídio. Mas sou contra, radicalmente, o subsídio pelo subsídio, sem que haja exata noção da mudança, para melhor, que virá.
Por enquanto, no caso da proposta da ANTP para Franca, tudo que é possível afirmar com certeza é que a redução de R$ 1 na tarifa vai custar R$ 22,3 milhões por ano. O resto é a mesma coisa. Nem entendo direito porque a prefeitura insiste tanto nesta redução, porque ela dura no máximo alguns meses de alívio para o usuário.
Inevitavelmente, o valor vai subir num futuro próximo, eliminando qualquer sensação de “vantagem” para o passageiro – isso, se a empresa vencedora não alegar antes o tal “desequilíbrio econômico-financeiro” do contrato para justificar um aumento ainda maior do preço da tarifa ou pleitear a majoração do volume do subsídio. Se não conseguir nem uma coisa nem outra, pode ainda reduzir unilateralmente a frota, para economizar. Isso foi feito em Franca mais de uma vez sem que houvesse qualquer punição para a operadora do transporte.
A prefeitura de Franca promete publicar no próximo dia 2 de abril a minuta do edital, para que seja analisado e discutido pela população antes que a licitação, efetivamente, seja aberta, o que está previsto para acontecer em junho. Algumas dúvidas poderão ser sanadas a partir de abril, mas há uma certeza que, tenho plena convicção, seguirá inalterada. O Fusca azul vai ficar amarelo, mas continuará sendo um Fusca. Será que vale a pena pagar R$ 22,3 milhões por isso?
Corrêa Neves Jr é jornalista, diretor do portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias.
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Comentários
5 Comentários
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malandro 10 horas atráseu acho engraçado uma coisa, o Corrêa é um cara inteligente, tem bons conhecimentos gerais principalmente dos problemas francanos, tem bom senso crítico e analítico, já foi vereador, seu sonho era ser prefeito, tem um grande número de seguidores, etc, mas eu nunca ví ele apresentar sequer uma solução para para problemas da Franca. Eu sei que que ele tem muitas, não é possível não ter. O que acontece, Corrêa ? tem medo de apresentar e ser criticado ? Põe a cara a tapa e vamos debater suas idéias.
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Sidney Elias 15 horas atrásFoi a prefeitura ou a São José que contratou a ANTP ?
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Zezim 1 dia atrasAlexandre vai ali em ribeirão preto e pergunta como funciona. A tarifa está a vários anos o mesmo valor e a frota só se moderniza. Tudo funciona app de horários e os terminais são bons já utilizei e o ônibus sempre passa. Não custa nada saber a forma que funciona lá para aplicar aqui ou em qualquer lugar onde de certo
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\"L\" 1 dia atrasMas também no país que o governo federal promete picanha e não entrega nem ovo
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Aida Paula???? 1 dia atrasNé????????