GAZETILHA

É hora de um freio de arrumação

Por Corrêa Neves Jr. | Editor do GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 9 min
Hevertom Tales/GCN

"O destino de um navio não é decidido pelo vento, mas pelo capitão que segura o leme"
William Arthur Ward, escritor e educador americano



Alexandre Ferreira (MDB) deu início no último dia 1º de janeiro ao seu terceiro mandato como prefeito de Franca – o segundo deles, consecutivo. É um marco e um feito, que merecem respeito. Exatamente por isso, os trinta primeiros dias de Alexandre 3 parecem tão estranhos, para dizer o mínimo.

Para quem olha de fora, é como se o governo simplesmente não tivesse começado, impressão reforçada pela onipresença dos antigos secretários no primeiro escalão e por medidas anunciadas, e necessárias, que parecem ter sido colocadas numa gaveta por algum iluminado à espera sabe-se lá do quê para que sejam implementadas. Enquanto isso, os problemas se multiplicam, sem perspectiva de solução imediata na maior parte dos casos, ou sem nem mesmo uma posição qualquer do Executivo, no que resta delas.

Vale registrar que nenhum destes problemas é obra da oposição, de uma implicância qualquer do Ministério Público, de uma decisão judicial inesperada. Nem mesmo o acaso dá para culpar, porque não houve intempérie que provocasse danos. Todas essas dificuldades têm como origem decisões inicialmente tomadas pelo próprio governo, convertidas em trapalhadas inacreditáveis, ou em projetos anunciados para as quais as soluções são mantidas num sigilo tão grande que são capazes de provocar inveja em quem guarda segredos de confessionário.

A lista é considerável. Comecemos com o mistério que cerca a decisão de incluir a extinção do Centro de Educação Integrada no complexo projeto de reforma administrativa, sem praticamente nenhuma explicação prévia de por que seria desativado um programa amado por seus frequentadores. A grita foi geral.

Entrevistei a secretária de Educação, Márcia Gatti, sobre o assunto. Ela disse que por conta de uma ação do Ministério Público teria decidido mover os projetos de atendimento às pessoas com necessidades especiais da pasta que comanda para a Ação Social. A sede do CEI, próxima ao paço municipal, seria desativada e os projetos ali desenvolvidos distribuídos por dez unidades de Centros Dia, espalhados por diversas regiões da cidade.

A indignação foi instantânea. Para as famílias dos quase 200 atendidos, muitos há décadas e todos portadores de necessidades especiais, desmantelar a equipe e fechar o CEI que cuida de seus filhos e netos é uma atrocidade inaceitável. Pais e mães se uniram a professores, pressionaram os vereadores e a extinção do CEI acabou retirada do projeto de reforma administrativa.

Imaginou-se que a questão estava resolvida. Mas numa audiência pública realizada a pedido da vereadora Marília Martins (Psol), a confusa fala do Procurador Geral do Município, Eduardo Campanaro, escalado pela administração para supostamente esclarecer as dúvidas que cercam o assunto, deixou todo mundo mais perdido ainda. Tá certo que entender a linha de raciocínio do procurador através de sua retórica é exercício para intérpretes com anos de experiência em tradução simultânea na ONU (Organização das Nações Unidas) – ainda que, imagina-se, ele esteja se expressando em português. Ele falou, falou, falou mais um pouco e não disse absolutamente nada.

Desde a última terça-feira, 28 de janeiro, o GCN tenta esclarecer detalhes importantes sobre o assunto, especialmente porque se descobriu que a alegada ação do MP contra o CEI é na verdade apenas uma queixa de alguns professores com relação a atribuição de aulas. Até onde se conseguiu chegar na apuração, o Ministério Público não propôs ação nenhuma que pudesse resultar na extinção do CEI. Mas, novidade nenhuma, ninguém fala nada a respeito.

O prefeito Alexandre Ferreira poderia ter colocado um ponto final na polêmica. Para o bem ou para o mal, dizer claramente se o CEI será mantido ou transformado em Centros Dia. Mas não há definição. Ninguém tem a menor ideia do que será feito. Nem os usuários e suas famílias, nem os vereadores, e, ouso arriscar, nem mesmo o primeiro escalão do governo. Enquanto isso, independente de quem quer que tenha tido a ideia de mexer num projeto como esse e qual sua real motivação, a conta do desgaste cai direto no colo do prefeito. Não é barata. A imagem de centenas de pessoas que tem necessidades especiais reunidas na Câmara Municipal protestando contra o governo é um pesadelo para qualquer governante. E dificílimo, para não dizer impossível, reagir ao pedido de socorro de um grupo de vulneráveis. Ainda mais diante de uma medida que parece completamente ilógica.

Têm-se também a confusão com a decisão de mudar a escala de trabalho das enfermeiras e enfermeiros que trabalham nos prontos-socorros e UPAs Unidades de Pronto Atendimento) do município. Há 14 anos esses profissionais, que atuam na porta da frente do sistema, seguiam, via acordo coletivo, o esquema de 12 horas trabalhadas por 36 descansadas. É o padrão na área de saúde, inclusive no setor público.

Acontece que o secretário de Recursos Humanos, Peterson Facirolli, resolveu fabricar um problema onde não havia nenhum. Aparentemente irritado com o número de faltas com atestado médico das enfermeiras, ele resolveu endurecer e reduzir o número de folgas, de quatro para três mensais. Se não aceitassem o novo acordo, ameaçou forçar todo mundo a retomar o esquema original, de 6 horas diárias, o que faria com aquelas que tem duplo emprego perdessem imediatamente parte significativa de sua renda, além de obrigar um grupo a um turno de trabalho que começaria à 1h da madrugada, horário em que nem ônibus existe para transportá-las.

A postura beligerante do secretário gerou forte reação e uma grande participação de servidores numa assembleia do Sindicato, que rejeitou a proposta. O que será feito? Ainda não se sabe. Circula nos grupos de WhatsApp um vídeo do prefeito Alexandre Ferreira com algumas enfermeiras da saúde, gravado na última sexta-feira, 31, onde ele acena com um meio termo qualquer. Exatamente qual será, ninguém tem ideia ainda. Como ficarão as folgas, também não.

Também segue absoluto mistério quem será o titular da nova Secretaria de Esportes e Cultura, criada com a reforma administrativa. Difícil entender as razões que levam a tamanho sigilo. Igualmente desafiador é compreender porque os servidores que serão afetados pela mesma reforma ainda não foram comunicados de seus destinos. Haverá gente exonerada, pessoas nomeadas, aqueles que mudarão de atribuição, outros que terão aumento de salário e alguns desafortunados que serão impactados com reduções nos seus vencimentos.

Cadê a lista? Ninguém sabe, ninguém viu. A lógica indica que, aprovada uma reforma deste porte, haveria uma entrevista coletiva, a apresentação dos nomes mais relevantes que estariam incluídos no governo e uma explicação do que muda na prática – de preferência, feita por alguém com mais facilidade de comunicação do que o Procurador Geral. Seria o melhor para o governo, para os servidores e para a população.

Mas apesar da lei aprovada pela Câmara e sancionada pelo prefeito Alexandre Ferreira, até este sábado, 01, tudo que se viu no Diário Oficial foram quatro exonerações de servidores cujas funções foram extintas. Mais nada. O clima de insegurança e o nervosismo são evidentes. Basta conversar com qualquer pessoa que trabalha no paço municipal para se chegar a idêntica constatação. A quem interessa este estado de coisas? Não consigo imaginar quem ganha, nem o propósito. Sei quem perde: Alexandre Ferreira.

Mesmo questões pequenas têm sido encobertas por esta névoa de mistério. Tome-se o Carnaval como exemplo. Haverá neste ano desfiles? Ou não? Estamos a um mês da folia de Momo. Há duas semanas, o Portal GCN busca uma resposta para esta pergunta incrivelmente simples. Ninguém fala que sim, ninguém diz que não, porque não há ninguém que diga coisa alguma.

Tenho grande dificuldade em entender qual o problema de dizer “sim” ou “não” para uma questão como essa. Sabe-se que o governo Alexandre não é grande entusiasta de investir dinheiro público no Carnaval e nos últimos anos não houve destinação de recursos para a festa. Se for este o caminho, bastaria dizer que não fará, exatamente como nos últimos anos. Se alguém souber a razão que impede uma resposta clara, que me explique, por favor. Não faço a menor ideia.

Enquanto gasta tempo e energia para lidar com estes problemas gerados em suas entranhas, o governo negligencia outros tantos que também precisa enfrentar. Alguns deles, bem sérios.

O mais grave é o drama do transporte coletivo. Há um ano Alexandre Ferreira anunciou que romperia o contrato com a Empresa São José e faria uma outra licitação. Reeleito, ainda não tirou a promessa do papel.

Sabe-se que um estudo foi contratado, mas suas conclusões continuam engavetadas, conhecidas por menos de meia dúzia de pessoas. Foram anunciadas audiências públicas e o próprio prefeito tinha previsto a publicação do edital da licitação em meados de janeiro, prazo ajustado para o final do mês. Fevereiro já chegou, e ainda nada. Nem de estudo, nem de edital.

Enquanto isso, disparam as reclamações sobre falta de ônibus em múltiplas linhas. O que aconteceu? Mudou o prazo? Por que não dizer? E o estudo? O que prevê? A cada dia que o governo não esclarece, aumenta a insatisfação com o prefeito por parte de quem é obrigado a usar ônibus. Cresce também a impressão de que a nova licitação tenha sido apenas uma jogada eleitoreira – ainda que, eventualmente, não seja.

Há o ainda lixo, contrato bilionário que tem duração de 30 anos. Começou a vigorar há poucos meses mas não começou bem. Há muitas reclamações sobre a qualidade do serviço. O que está acontecendo? Onde estão os investimentos previstos? Por que a cidade está tão suja? A empresa tem sido fiscalizada? Por quem?

Claro, isso para nem falar de problemas menores, que parecem todos paralisados, ou em marcha muito lenta. Alguma coisa aconteceu desde a reeleição do prefeito que levou a uma espécie de paralisia do governo. É preciso que Alexandre Ferreira analise, reflita e retome o controle da sua própria administração. É hora de liderar seus comandados com clareza, foco e propósito.

Ainda estamos no começo e há tempo para um freio de arrumação que coloque a máquina pública nos eixos. Nunca é demais lembrar que a luta do prefeito não é mais por outro mandato, que ele não poderá disputar – pelo menos, não no próximo ciclo. A sua batalha não é mais contra adversários políticos, nem contra candidatos quaisquer. É, sobretudo, pelo legado, pela relevância que ganhará na história, pela marca que deixará na memória da população.

Não acredito, nem por um instante, que Alexandre Ferreira queira ser lembrado como o insensível que lançou centenas de portadores de necessidades especiais à própria sorte por conta de um capricho qualquer. Ou que arrebentou com a rotina de 500 enfermeiros e enfermeiras por causa da implicância de algum burocrata. Ou que prometeu e não tirou do papel uma nova licitação para o transporte coletivo.

Que a chegada de fevereiro traga novos ares e novo ânimo. Se janeiro servisse de base, a história, sempre uma juíza severa, colocaria Alexandre Ferreira mais próximo de Gilson de Souza, que despreza, do que de Sidnei Rocha, que admira. Aposto que ele deseja qualquer coisa, menos isso.

Que coloque então as mãos na massa, assuma com firmeza as rédeas da administração, afaste os maus conselheiros, elimine conflitos desnecessários e se concentre no que é mais relevante e urgente. Sem rumo, sem prioridades, num ambiente marcado por muita desconfiança de tudo e de todos, não há governo que chegue a lugar nenhum. É muito ruim para o próprio prefeito, e ainda pior para a população que nele votou e confiou.

Corrêa Neves Jr é jornalista, diretor do Portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias.

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Comentários

5 Comentários

  • Darsio 03/02/2025
    Dias atrás houve evento em Ribeirão Preto para dar início a construção na cidade.de um Instituto Federal. Aí está uma das grandes diferenças entre os caciques políticos. Em Franca sempre predominou o discurso de que não se dialoga com as diferentes esferas de governo, quando elas estão sob grupos de oposição. Duarte Nogueira, ex-prefeito de Ribeirão, era de oposição ao Governo petista, mas isso não o impediu de apoiar a vinda do IF. Sabe-se que um IF não apenas oferta ensino de qualidade, como também pode ser o embrião de uma universidade federal. Aliás, nossa cidade se quer consegue eleger um deputado federal, pois muitos preferem votar em forasteiros que só aparecem na cidade em época de campanha.
  • VIVIANA MIGANI 02/02/2025
    Alexandre Ferreira vai ser lembrado q fechou uma escola de 30 anos, o q poderemos esperar nesses quatro anos??? A colheita virá para ele q pretende se candidatar a deputado,espero q os Francanos se recorda disso tudo e outra teve 90.000 abstenções, será q foi devido a isso q ele ainda foi reeleito?
  • Juarez 02/02/2025
    O governo é medíocre, mas o Comércio sempre o defendeu. Prefeito arroz com feijão, não dá escute os problemas da cidade. Coleta seletiva não existe. Arborização não existe. Transporte público não sai do lugar.
  • Marcelino Guimarães 02/02/2025
    Boa tarde Júnior o acompanha a muitos anos,desde a época do jornal impresso e atualmente via rádio, sou servidor público municipal e corretor imobiliário, por muitas vezes discordei de você em alguns posicionamentos, no entanto neste artigo você é extremamente feliz, quando argumenta que o Alexandre tem no colo, bombas construídas por seus próximos, seus pares, tendo que dispensar uma atenção energia a fogo caseiro, do pautas e agendas maiores como a empresa São José ou quem fiscaliza a empresa responsável pelo recolha do lixo.
  • Zezim 02/02/2025
    Vortaaaa Girsu