GAZETILHA

O primeiro grande teste

Por Corrêa Neves Jr. | Editor do GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 6 min
Reprodução

"A aprovação apressada é a porta de entrada para o erro; o estudo e a compreensão, o antídoto para a tirania"
Confúcio, filósofo chinês

O prefeito de Franca, Alexandre Ferreira (MDB), protocolou no final da tarde desta última sexta-feira, 10, dois projetos de lei que têm tudo para provocar intensas discussões e debates na Câmara Municipal a partir da sessão ordinária desta terça-feira, 14. Servirão também como “teste de fogo” para saber o tamanho da base aliada ao prefeito, quão dócil ela é e, ainda mais importante, com qual tamanho e tipo de oposição terá que lidar neste início de mandato.

Não são projetos quaisquer. Um deles extingue a Feac (Fundação para o Esporte, Arte e Cultura de Franca) e cria no lugar a Secretaria de Esportes e Cultura. O outro, de reforma administrativa, muda um sem-número de nomenclaturas e atribuições de funções de livre nomeação e gratificadas, extingue algumas das existentes e cria outras. Tem mais de 200 páginas, exposição de motivos, argumentos jurídicos e está acompanhado do relatório de impacto financeiro. Cumpre os requisitos legais. Mas entender exatamente do que se trata e quais seus efeitos na prática é outra história.

Até tentei, com força. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista e fui vereador. Conheço o sistema por dentro e por fora. Ainda assim, nestas horas que separam o protocolo dos projetos do momento em que escrevo esta coluna, no final da tarde de sábado, sigo com mais perguntas do que respostas.

As mais óbvias: da atual estrutura de cargos, quantos estão sendo efetivamente extintos, quantos criados e quantos apenas são mudanças de nomes ou atribuições? Qual a quantidade de cargos de livre nomeação e quantos são exclusivos para servidores públicos de carreira? Quantos novos cargos a prefeitura pretende preencher imediatamente? O custo projetado é para todas as vagas criadas ou apenas para aquelas que serão efetivamente preenchidas? Entender isso é o mínimo, mas há outras dúvidas pertinentes.

Por exemplo: exatamente o que, na prática, fará o Diretor do Departamento Especial de Governança, vinculado ao gabinete do prefeito? Qual a diferença entre as atribuições do Diretor do Departamento de Inovação e as do Chefe do Setor de Acesso a Novas Tecnologias, ambas colocadas na estrutura da Secretaria de Desenvolvimento? Se Franca tem hoje apenas 56 câmeras de monitoramento, o que farão as 20 pessoas a serem contratadas para a função de agente de videomonitoramento na secretaria de Segurança? Esse pessoal será concursado?

As dúvidas sugerem algum pré-julgamento ou minha convicção de que o projeto é ruim? Nem uma coisa, nem outra. Acho que em alguma medida, é até tímido, porque a estrutura administrativa da prefeitura é arcaica, os salários dos secretários municipais e daqueles que ocupam posição equivalente estão completamente abaixo da realidade do mercado e da responsabilidade a eles atribuída, e defendo avanços maiores.

Há boas coisas no projeto, como a criação de uma área para cuidar de projetos estratégicos, vinculada ao gabinete do prefeito, e outra específica para a atração e retenção de empresas, subordinada à pasta do Desenvolvimento Econômico. Já não era sem tempo. Uma cidade do porte de Franca precisa de gente dedicada à atração de novos investimentos ao mesmo tempo em que estuda alternativas possíveis para impedir que empresas migrem daqui. Ter alguém para desenvolver projetos especiais também é o mínimo que se espera de um município com receita de R$ 1,5 bilhão anuais.

Ainda assim, para dizer se o projeto é bom ou ruim como um todo, é preciso esperar esclarecimentos adicionais. Sempre tive dificuldade para entender porque iniciativas desta complexidade, neste governo ou nos anteriores, não são precedidas por uma coletiva do prefeito ao lado dos secretários envolvidos, explicando tudo em detalhes, respondendo dúvidas dos jornalistas... Tivesse sido feito assim, a proposta do Executivo chegaria muito mais madura ao Legislativo.

Não é o que vai acontecer desta vez. Sabe-se que o prefeito convidou os vereadores para uma reunião no seu gabinete na manhã de segunda-feira, 13. Imagino que vá detalhar o projeto e apresentar seus argumentos. Ainda assim, na sua primeira votação de um projeto enviado pelo Executivo, os vereadores terão que decidir o que fazer diante de um calhamaço considerável de páginas, números e justificativas longe de serem autoexplicativos.

Ainda não é certo se o Executivo pedirá a votação em regime de urgência para o projeto, o que faria com que fosse apreciado ainda nesta terça-feira, 14. Se for o caminho escolhido, o governo precisará de 10 votos para admissão do regime de urgência e, depois, terá que ter a maioria pela aprovação em primeira votação. Se conseguir, o projeto volta na semana seguinte para a segunda e última deliberação e votação.

Aí é que vem o teste de fogo. Qual o tamanho da base aliada? Somam dez votos? Quão confiável ela é para o Executivo? Os vereadores topam dizer “sim” ao projeto sem uma discussão mais ampla? E a oposição? Vai tripudiar em cima e se opor sistematicamente ou partirá apenas para o bloqueio da urgência em busca de maiores informações? Alexandre seguirá sem líder na Câmara ou verá necessidade de indicar alguém que responda pela articulação e defesa de projetos do Executivo junto aos colegas? A Comissão de Justiça e Redação vai dar parecer a toque de caixa para encaminhamento da votação? E se o parecer feito pelo setor jurídico da Câmara for contrário, o que fará o presidente da comissão, Claudinei da Rocha, escolha peculiar da base aliada para a função? Peita e faz outro? Ou desiste e tenta derrubar o parecer no plenário, o que sempre implica em mais desgaste e rodada extra de votação?

Saberemos muitas destas respostas a partir da tarde desta terça-feira, quando os vereadores começam a ter a missão, e a responsabilidade, de analisar e votar os projetos enviados à Câmara.

Conversei com quatro vereadores de diferentes partidos na manhã deste sábado, 11, e uma coisa é certa. Dificilmente o projeto passa em regime de urgência, e certamente não será aprovado sem alguns questionamentos e debates. “A Câmara mansa da Legislatura anterior ficou no passado. Vejo que esta Legislatura não quer guerra, mas vai se recusar a aprovar o que quer que seja sem no mínimo discutir. Os vereadores querem ser ouvidos”, garantiu um deles.

O governo Alexandre 3 já começou há alguns dias. Mas os vereadores só entram em campo, para valer, a partir de agora. No principal gabinete da Presidente Vargas, estratégias da articulação política poderão ter que ser revistas ou ajustadas a partir do que vierem a manifestar os vereadores na discussão destes primeiros projetos.

Qualquer observador com maturidade política sabe que além da relevância óbvia dos projetos, há muito mais coisa em jogo além da extinção da Feac e a reforma administrativa propriamente ditas.

Há o teste de força, que pode levar a mais ou menos influência de determinados vereadores. A busca por espaço de atuação é sempre uma preocupação, legítima, registre-se, para quem se senta numa daquelas 15 cadeiras. Existe também o posicionamento no tabuleiro eleitoral para quem sonha com a sucessão do próprio Alexandre Ferreira. Muito do que serão os próximos quatro anos da política municipal estarão antecipados a partir do que acontecer na sede da OAB, onde será realizada a sessão do Legislativo desta semana. De tédio, ninguém vai morrer.

Corrêa Neves Jr é jornalista, diretor do portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias.

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Comentários

4 Comentários

  • SILMARA DA CUNHA BELAI 13/01/2025
    Eu frequento ceil muito tempo mesmo agora eu estou trabalhando
  • Darsio 13/01/2025
    Os interesses dos munícipes deveriam estar em um primeiro plano e acima do ego de todos que ocupam cargo político, mas infelizmente não é o que acontece. Na verdade, no que se observa, nossos legislativos são tão ruins e indiferentes as demandas da sociedade que, lamentavelmente o executivo se vê forçado a se vender para ter a tal governabilidade. Na esfera federal, Bolsonaro entregou as chaves dos cofres públicos para o centrão e assim não sofrer o impeachment e, hoje Lula também teve de manter o tal orçamento secreto tão atacado por ele durante as eleições. E, não vamos nos esquecer que as tais redes sociais deram visibilidade a muitas porcarias que, se aproveitaram e se elegeram vereadores, deputados e senadores. Em muitas casas legislativas ainda se pratica a política do quanto pior melhor, para então impedir o executivo de governar indiferentes as demandas sociais ou mesmo se transformar em um balcão de negócios. Muitos cidadãos precisam aprender a votar, pois se votamos em um candidato para o executivo, também temos de votar em candidatos de sua base para compor o legislativo.
  • Antonio Flavio do Nascimento 12/01/2025
    Numa empresa privada o empregador está sempre de olho em cortar despesas. Se o negócio está indo bem ele, o empregador, até arrisca em fazer investimentos na certeza que, no futuro, irá recuperar o investimento que fez. Quanto aos salários dos empregados, são os próprios empregados que pagam seus salários, pois seus salários são baseados em produtividade. Se o patrão pagar um salário a seu empregado que não corresponde a sua produtividade ele, certamente, quebrará, pois na iniciativa privada o empregador visa o lucro. . Diferentemente da empresa pública, são feitas acertos políticos que recebem o nome bonito de \" reforma administrativa\". Quanto aos salários, a produtividade é o que menos importa. O importante é \"arrumar\" emprego para todos. E se no final nada funcionar, se aumentar o déficit público, o povo que pague as contas. Deve ser muito bom , excitante, tocar uma empresa pública.
  • José Roberto 12/01/2025
    Corrêa Neves Jr. As vezes eu fico me perguntando como o cargo de controlador interno da prefeitura de Franca é indicação do prefeito ao invés de ser um cargo concursado com formação em nível superior nas áreas de direito, contabilidade, economia, gestão pública, administração pública, gestão de políticas públicas. Aí eles pegam escriturário de nível médio e colocam para ser controlador interno do município e como ressaltado por você para olhar um orçamento de 1,5 bilhões?!? Como um pessoa indicada vai ser contra as contas? O salário dessa pessoa aumenta com essa indicação! Municípios como restinga, Miguelópolis, Guaíra, Igarapava estão todos criando o cargo de controlador interno via concurso público dando estabilidade para o servidor justamente para isso para ele não ficar de rabo preso com a indicação. Salários acima de 8 mil reais 30h semanais. Basta olhar os concursos públicos da região. Tem uma premissa básica na aulas de introdução a economia. Que é as pessoas respondem a incentivos. Os incentivos são muito ruins. Além disso, é um orçamento baixo. Ha municípios com 40 mil habitantes que proporcionalmente possuem GCM do que Franca que não tem nem 100 GCMs. É uma vergonha essa administração!