NOSSAS LETRAS

2025: Amorosa Testemunha

Por Baltazar Gonçalves | Especial para o GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 5 min

Em 2024 você foi testemunha do amor que sinto, do amor que invento, do amor que no mundo não existe para quem olha na direção errada. Esteve do meu lado e se deitou nas palavras “meu peito” que te ofereci traduzindo “nosso abrigo”. Não tenho muito para oferecer, “não tenho ouro nem prata, mas digo: levante-se e anda”. Me faço menino para te fazer sorrir, me faço homem de aço para seu pranto. E me despedaço em pétalas para você colher cantando minhas ideias na forma de poemas desse nosso buquê de 365 pétalas.

Eu e você somos enquanto respiramos. Quando pensa, já não é. No mais do tempo, em toda circunstância, “eu apenas está”. Eu estar é tudo que posso ser se tudo muda o tempo todo e nós também, aceitar a transitoriedade da matéria viva dói menos que negar a necessidade de morrer um dia. E saiba que toda cura é temporária, e compreenda que isso é bom que seja assim, afinal morrer é um tipo de salvação. Porque toda cura é temporária, é possível se alegrar de graça na beleza do instante. Por isso eu digo que saber naufragar é arte dos que nadaram muito. Deserto pode ser lugar sereno, fora ou dentro de nós. Trabalhar faz bem, trabalhar demais escraviza. Os sonhos dos outros não são seus, os medos dos outros não são meus. Então desapega do peso alheio e só se alegre com quem se alegra com você.

Aceitar com mansidão o que incomoda em torno de mim pode ser o equivalente a conformar, quando o que não pode ser mudado incomoda o problema talvez não sejam os outros ou o mundo, tudo está como sempre esteve, bocarra da eternidade faminto escancarando os dentes, conformar o fluxo do mundo no curso interno da vida em mim tem propósito, desenformar para caber, enformar para acomodar, conformar amorosamente buscando unidade ancestral. E deixar caber o quanto suporto na fôrma apertada chamada "eu".

Já trilhei os caminhos retos e os tortos, cortejei abismos e sobre seus espelhos me equilibrei, foi sem querer que mergulhei na insanidade só pra ver o avesso das costuras nos seus olhos abotoados. O que resta viver agora que estou limpo é cuidar mais de mim, e menos do mundo: porque o mundo está perdido desde a fundação dos tempos, e não há saída desse labirinto que não seja uma dose mínima de um saber dolorido.

Por força maior, ter a mente aberta inclui abstinência inclusive do que te faz bem. Tudo é ilusão, mas é preciso sonhar. Quando nada for desejado pode haver paz interior, expectativa silenciada ordena o caos. Somos finitos grãos de areia em praia estendida longe do céu.

Seja fluvial, curso do que evapora. Desde que o mundo é mundo só a gota sabe o oceano, temos água em torno e nas veias, água do mar e água do céu, água das árvores porque choveu, água da horta nos vasos, eu tenho água na barba se banho, água potável e muita sede, temos sal na lágrima quando rimos, na saliva doce temos sal e promessa de demora. Para tanta água, abre-nos desertos.

Viva a sua singularidade e tenha coragem de pagar o preço.  Todo dia o hipócrita diz o que você deve não fazer, enquanto morre de inveja rancor raiva egocêntrico e controlador que é. Dance comigo na tumba dos escarnecedores, do parto à lápide a vida acontece é no instante já que o depois não existe: todo dia é dia de pecar com sabedoria.

Quanto mais conhecimento tenho mais confuso fico, menos certeza tenho, mais caminhos descubro, menos pressa eu sinto e mais sozinho me encontro. Sabedoria é de outra natureza, é feita da mesma matéria que a luz do vagalume desaparecendo quando notamos sua presença. Pensa comigo: “querer “não é “poder” numa sociedade marcada pelas desigualdades de classe, cor de pele e gênero. Quanto mais a individualidade é superestimada, menos a resolução dos conflitos se dá no coletivo onde sempre foi o palco dos debates, dos enfrentamentos políticos e dos encontros reais significativos.

Quando todo mundo quer ser diferente, acabamos parecidos na tentativa desesperada por singularidade, espontaneidade, originalidade: e nos tornamos apenas mais um produto na esteira da produção, a fábrica de fazer samambaias de plástico nunca fecha. Num país onde todos são crentes, não acreditar é saudável. É a dúvida sempre move as engrenagens insurgentes, saber fazer a pergunta urgente nos move. Ser uma pessoa bem adaptada numa sociedade esquizofrênica pode ser um sinal de que nada está bem. O preço que se paga pela autenticidade de ser quem se é e seguir, com a coragem que nos dá termos o mínimo de convicção, é altíssimo, mas vale a pena não se deixar levar pela insegurança dos que por medo tentam controlar cada molécula ao redor. Saber que mesmo parecendo mais verde a grama do vizinho, não curvar para qualquer pasto.

Muitas vezes falei que devia ter nascido outro, um tipo mais prático, talvez um homem de finanças e ser um tanto contábil, mas não, apesar da admiração por tais homens retos e querê-los tão perto práticos alinhados e contábeis, deles sou apenas complemento, sei neles a falta do que em mim sobra: asas para subir ao céu, asas para cair no mar. Por isso, sempre que posso levo desavisados ao céu, levo desarmados ao mar: que é no voo e na queda que se conhece de fato o valor de um homem, seja anjo ou demônio ou quem por sede volta à fonte.

Baltazar Gonçalves é professor de História formado pela Unesp, membro da Academia Francana de Letras, lançou recentemente o livro de contos “Quando permitir a maré” pela editora Patuá.

Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Comentários

Comentários