OPINIÃO

Publicidade na advocacia: Olivetto discordaria dos limites?

Por Tiago Faggioni Bachur | Especial para o GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 6 min

Washington Olivetto, um dos maiores ícones da publicidade brasileira, nos deixou no dia 13 de outubro de 2024. O publicitário que transformou comerciais em arte e slogans em cultura sabia como transformar marcas em parte do nosso cotidiano. E se Olivetto, com todo o seu talento e espírito provocador, olhasse para as normas que regem a publicidade na advocacia no Brasil? Será que ele discordaria? Será que consideraria essas regras acessíveis? Ou pensaria que limitam o poder transformador da comunicação?

Afinal, o que o legado de Olivetto pode nos ensinar sobre os limites da publicidade na advocacia?

Regras da OAB: limites necessários ou travas desnecessárias?

Em muitos aspectos, a publicidade na advocacia é uma caminhada por uma linha tênue. Enquanto Olivetto ousava brincar com o humor e usar histórias para conquistar corações e mentes, os advogados têm como recomendação navegar por mares muito mais contidos.

As diretrizes da OAB sobre publicidade na advocacia são claras: o advogado deve respeitar os princípios de moderação, discrição e ética. O desafio é como comunicar de forma autêntica, informativa e persuasiva, sem transgredir esses limites.

O advogado não pode prometer resultados, fazer comparações com outros profissionais, usar expressões sensacionalistas ou recorrer a estratégias de marketing agressivas. A intenção é evitar a mercantilização do Direito e proteger a dignidade da profissão. Mas será que essa postura não deixa de lado o potencial da comunicação para educar e conscientizar? Será que o excesso de controle não inibe a criatividade e impede que a advocacia se aproxime mais das pessoas?

Olivetto talvez enxergasse essa visão como uma tentativa de manter a advocacia presa a um modelo antigo. Ele poderia argumentar que a publicidade não precisa ser uma ameaça à ética profissional, mas sim uma aliada. Por que não permite que o advogado utilize estratégias criativas para destacar suas especializações, humanizar seus serviços ou tornar o conteúdo jurídico mais acessível ao público? Em vez de sufocar a comunicação, por que não criar formas mais autênticas e envolventes de se conectar com o público?

Washington, se estivesse à frente de um escritório de advocacia, talvez encontrasse meios criativos para respeitar a ética enquanto explorava a essência do que significa "justiça". Ele certamente diria que não se trata apenas de seguir regras, mas de construir uma narrativa que eduque e informe, em vez de prometer resultados ou exagerar em conquistas.

O que pode e o que não pode: a possível visão de Olivetto

Ao ver uma peça publicitária de Olivetto, era impossível não se sentir conectado. Seja com o icônico "Garoto Bombril" ou o "Primeiro Sutiã", suas criações estavam muito além da venda; transmitiam sentimentos. Para o advogado, o objetivo da publicidade é mais nobre do que simplesmente atrair clientes. Seu compromisso é de educar, esclarecer e promover a cidadania, respeitando o Código de Ética e Disciplina.

Vamos aos exemplos práticos. Na advocacia, o que é permitido? Publicar artigos educativos, participar de entrevistas para dúvidas jurídicas e ter um site com conteúdo informativo sobre temas do Direito. Advogados falam sobre mudanças na legislação, explicam direitos previdenciários, trabalhistas, cíveis, do consumidor, de família, criminais etc. e até utilizam o Google Ads – desde que a mensagem seja essencialmente informativa e moderada.

No entanto, existem muitos “não” que limitam a publicidade do advogado:

  • Prometer resultados específicos? Proibido. Frases como “garantimos sua aposentadoria” ou “conseguimos o maior valor de indenização” são vedadas. Olivetto, certamente, concordaria com isso, pois tal tipo de comunicação pode retratar a falta de responsabilidade do profissional, uma vez que o resultado das ações não depende apenas do trabalho do advogado.
  • Utilização de depoimentos de clientes ou mencionados resultados obtidos? Também proibido. Mesmo que um cliente queira contar como o advogado o ajudou, não se pode publicar essas histórias. Olivetto, provavelmente, veria aqui um potencial desperdiçado para compartilhar narrativas reais que educam e inspiram. Ele sempre apostou no poder das histórias e, nesse ponto, talvez discordasse da OAB, argumentando que relatos genuínos, desde que feitos com autorização do cliente e respeito ao sigilo, poderiam gerar empatia sem mercantilizar a profissão.
  • Fazer publicidade ostensiva, como outdoors e anúncios com descontos? Impensável para a OAB. Jamais poderia haver um outdoor dizendo algo do tipo: “Está perdendo tempo – e dinheiro – sem saber se já pode se aposentar? Chega de deixar o seu direito passar batido. Consulte um advogado especialista e vire o jogo!” Para Olivetto, isso não significaria necessariamente “mercantilizar” a advocacia, mas poderia ser visto como uma forma de democratizar o acesso ao Direito, especialmente se a comunicação fosse informativa e acessível à população em geral.

Publicidade na advocacia: os limites estão no lugar certo?

O debate sobre o que pode ou não ser feito na publicidade advocatícia não é apenas técnico; é cultural. Por um lado, as regras protegem a dignidade do advogado e evitam que o Direito seja tratado como mercadoria. Por outro lado, o excesso de limitações pode distanciar a profissão de uma linguagem mais acessível e moderna, deixando-a incapaz de conectar-se às necessidades reais das pessoas. O que é melhor para o público: um advogado que se comunica de maneira distante e técnica, ou aquele que encontra formas de dialogar diretamente com a sociedade, mesmo correndo o risco de ser mais criativo do que o habitual?

Olivetto, um mestre em entender o público, talvez propusesse um equilíbrio. Para ele, o mais importante seria como transmitir a mensagem de forma ética e responsável, sem deixar de lado a possibilidade de criar uma conexão verdadeira e humana.

Em outras palavras, o publicitário poderia argumentar que, ao educar e informar de maneira envolvente, o advogado não apenas cumpre seu papel social, mas também se destaca no mercado – algo que, quando feito com transparência, só contribui para a valorização da profissão. “A comunicação, no fim das contas, é uma ponte”, diria Olivetto. E se essa ponte pode levar o público a conhecer melhor seus direitos, por que não permite que seja construída com um toque de criatividade?

Conclusão: o que Olivetto nos ensina sobre a publicidade jurídica?

O falecimento de Olivetto nos convida a uma reflexão sobre a publicidade, não como um mal necessário, mas como uma arte que pode ser praticada de forma ética. Ele nos mostrou que é possível contar histórias poderosas e peculiares que inspiraram e informaram. Talvez seja hora de repensar algumas restrições para permitir que os advogados possam se comunicar de forma mais criativa, sempre com a devida responsabilidade.

Olivetto nos ensinou um olhar para a publicidade com outra perspectiva – como uma ferramenta de transformação, e não apenas de venda. Sua partida nos lembra que não é uma publicidade que perde o sentido; são os profissionais que às vezes perdem o caminho. Na advocacia, tem-se um papel social muito importante: informar e proteger os direitos dos cidadãos com a mesma paixão com que Olivetto nos encantava.

A ética e a criatividade podem caminhar juntas, mesmo em um cenário onde os limites são claros e as regras são rigorosas. O segredo, como Washington destacou, está em fazer o simples de maneira extraordinária – e, assim, transformar cada mensagem em um ato de justiça e cidadania. Ao invés de seguir à risca um manual, é possível reescrever as formas de comunicar, sem jamais perder a essência do que realmente importa: o compromisso com a verdade.

Portanto, a questão não seria apenas sobre o que o advogado pode ou não fazer. Trata-se de como encontrar formas de transmitir mensagens com relevância e propósito, mesmo dentro das regras. Como Olivetto certamente diria, é possível ser criativo e ético ao mesmo tempo – e, se a publicidade não pode prometer o "final feliz", ela ainda pode ser uma ponte para a esperança e para a justiça.

Tiago Faggioni Bachur é advogado e professor de direito, especialista em direito previdenciário.

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