OPINIÃO

INSS e sapateiros: quando o barulho do trabalho tira sua audição

Por Tiago Faggioni Bachur | Especial para o GCN/Sampi Franca
| Tempo de leitura: 5 min

Se você já trabalhou na indústria de calçados com Blaqueadeira, Chanfradeira, Pesponto, Máquinas de Corte (Laser e Tradicional), Rex (ou Máquina de Costura Reta), Balancim, Máquinas de Acabamento e Lixadeiras, Máquinas de Pintura, Máquinas de Montagem, Máquinas de Rebaixamento de Bordas, Prensas Hidráulicas, Compressores de Ar, Máquinas de Colagem ou qualquer outra máquina similar, e possui perda auditiva, saiba que você pode ser um sério candidato a ter direito a uma espécie de 'indenização' da Previdência Social.

Trata-se de um benefício do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), de caráter indenizatório, previsto em lei desde 1960. Esse benefício é pago mensalmente até a véspera da aposentadoria, e o trabalhador da indústria de calçados pode continuar trabalhando e recebendo do INSS ao mesmo tempo. Não se trata nem de auxílio-doença nem de aposentadoria por invalidez.

Esse benefício é conhecido como auxílio-acidente (muitos o confundem com auxílio-doença acidentário, que não é a mesma coisa). Como o próprio nome sugere, o auxílio-acidente decorre de um acidente (qualquer tipo de acidente, seja no trabalho ou fora dele). No entanto, o direito ao benefício também pode surgir de uma doença do trabalho, pois, para fins legais, a doença do trabalho é considerada equivalente a um acidente de trabalho.

Apesar de todo o avanço tecnológico, com a fabricação de máquinas menos ruidosas e o surgimento de novos EPIs (equipamentos de proteção individual) e EPCs (equipamentos de proteção coletiva), a perda auditiva ainda é uma triste realidade para muitos sapateiros em seu ambiente de trabalho. Essa perda auditiva se encaixa perfeitamente no conceito de doença provocada (ou agravada) em razão do trabalho.

Dessa forma, é preciso ter em mente que o INSS funciona como uma seguradora da sociedade, garantindo diversas proteções para seus segurados (vale destacar que o próprio INSS se refere aos seus contribuintes como 'segurados'). Há proteção para morte (pensão por morte), incapacidade (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez), maternidade (salário-maternidade), idade avançada (aposentadoria por idade), entre outras. Nesse sentido, também existe proteção para o trabalhador que sofre um acidente ou adquire uma doença relacionada ao trabalho.

O auxílio-acidente não implica que a pessoa não possa trabalhar; muito pelo contrário. No entanto, o trabalhador pode ter ficado com alguma sequela que não impede, mas dificulta o dia a dia. A perda auditiva do sapateiro que trabalhou com máquinas como essas se encaixa nessa hipótese.

Portanto, no caso da perda auditiva de quem trabalhou com máquinas que emitem ruído acima do nível de tolerância dos seres humanos (como ocorre com muitas máquinas na indústria calçadista), isso é considerado uma doença do trabalho, gerando o direito ao respectivo benefício.

O direito ao auxílio-acidente surge devido à existência de uma incapacidade (que não é total, mas parcial) e que é permanente (ou seja, não há chance de o segurado voltar a ser como era antes da lesão). Em regra, isso exigirá um esforço maior, adaptações ou, até mesmo, mudança de atividade em alguns casos.

Vale ressaltar que esse benefício só cessará em duas situações: com a morte do segurado ou quando o segurado se aposentar (por qualquer modalidade de aposentadoria). No entanto, ao se aposentar, os valores recebidos a título de auxílio-acidente serão incluídos no cálculo da futura aposentadoria, seja ela por idade, por tempo de contribuição, pelas regras de transição etc.

O valor do auxílio-acidente corresponde à metade da média da remuneração do trabalhador.

Exemplificando: imagine que um cidadão que trabalhava como blaqueador teve perda auditiva. Suponhamos que a média de salário dele seja de R$ 3.000. Se ele receber o auxílio-acidente, o valor do benefício será de R$ 1.500 por mês. Ele continuará recebendo seu salário do empregador e os R$ 1.500 do INSS. Quando ele se aposentar, por idade ou qualquer outra modalidade, a remuneração será a soma dos dois valores (ou seja, neste exemplo, R$ 4.500). Em outras palavras, o valor do auxílio-acidente também ajudará a aumentar o valor final da futura aposentadoria.

É importante mencionar que o auxílio-acidente pode ser solicitado a qualquer momento, desde que antes da aposentadoria. 

Outra curiosidade: o sapateiro que tem perda auditiva, independentemente de estar (ou não) recebendo auxílio-acidente, também pode ter direito à antecipação de sua aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade. Isso se deve a uma Emenda Constitucional de 2005, regulamentada por uma Lei Complementar de 2013.

Nos casos de aposentadoria por tempo de contribuição, é possível antecipar em até 10 anos. Isso significa que o sapateiro que perdeu a audição pode se aposentar a partir dos 20 anos de trabalho (no caso das mulheres) e 25 anos (no caso dos homens). Nessa hipótese, não há idade mínima, pedágio, pontos ou qualquer outra regra de transição estabelecida pela Reforma Previdenciária de 2019.

Para aposentadoria por idade, a idade mínima é reduzida para 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens). A única exigência é que, além da idade e de pelo menos 15 anos de contribuição, a perda auditiva já exista há, pelo menos, 15 anos. Não há necessidade de pedágio, pontos ou qualquer regra de transição.

Quem já está aposentado e tinha perda auditiva no momento da aposentadoria pode solicitar a revisão, já que essas modalidades costumam ter um cálculo que pode resultar em um valor de benefício significativamente maior do que nas aposentadorias convencionais (em alguns casos, quase o dobro).

Há inúmeros casos em que é possível conseguir o auxílio-acidente, uma aposentadoria melhor ou até mesmo uma revisão diretamente no INSS. Em outras situações, pode ser necessário ingressar na Justiça. Para evitar erros, é imprescindível contar com a ajuda de um especialista desde o início, que poderá orientar sobre os melhores documentos e meios para garantir o seu direito.

De qualquer forma, se você trabalhou na indústria calçadista (ou conhece alguém que tenha trabalhado como sapateiro) e perdeu a audição devido ao ambiente de trabalho, procure um advogado especializado em Direito Previdenciário de sua confiança, para não perder tempo nem dinheiro.

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