NOSSAS LETRAS

Apagados nunca mais

Por Baltazar Gonçalves | Especial para o GCN/Sampi Franca
| Tempo de leitura: 3 min

Fala samambaia, me conta como vai sua vida, me deixe entrar na sua história, prometo não apagar nenhuma palavra que você me disser. Tem relevância ouvir se o intuito não é apagar o sujeito que comunica. Já fomos apagados muitas vezes, quando falaram mais alto que nós, quando nos disseram para sermos menos emocionados quando na voz do outro se percebia inveja e medo. Tentaram tirar nossa alegria, nosso contentamento, parece que nosso tesão pela vida incomoda os descontentes. Quando falo “tesão” você pode demorar entender que se trata de “libido” nos termos em que Freud definiu a propulsão dos nossos desejos e propósitos em resistir às demandas febris do mundo em volta, estamos cercados de pessoas já mortas por dentro, que não perceberam seu passado prisão de ressentimentos insolúveis, gente que se comporta feito mariposa cega como toda mariposa a se lançar sobre a luz do próximo. Não somos seres iluminados, não existe uma fonte de luz dentro da gente, mas é assim que podemos falar sobre quem vê em nós a convicção de caminhar no claro, de clarear o breu ali na frente que a gente chama de futuro. O que vai ser a seguir? Por mais que sigamos o plano traçado, não temos controle do que virá, só a morte é certa e isso pode ser grande alívio nos colocando no nosso real tamanho, seres vivos de passagem tecendo as próximas gerações em comunhão de afetos. Só a empatia nos comunga, esperar por um deus salvador distante no céu demora, tanta angustia se produz quando não somos capazes de abraçar as consequências de nossas escolhas, transferindo para outra pessoa ou mesmo uma entidade mítica a responsabilidade de salvar nosso dia e nele as horas da angustia sofrida. Quando é para dar os créditos da alegria que sentimos talvez seja mais difícil agradecer, parece mais fácil reclamar das imperfeições que ser grato pelo processo que nos humaniza. O certo é que a pessoa ingrata não permanece serena, sempre haverá motivo torpe para desejar ser ou estar no lugar do outro, porque ele viaja mundo afora e parece livre, porque ela tem um marido amoroso e filhos lindos, a grama no quintal do vizinho parece sempre mais verde. Inveja é um dos sete pecados capitais, a noção “pecado” e de “castigo” vem de crenças limitantes dentro do cristianismo, estamos até o pescoço de “culpa”, nascemos sob o signo estigma do “pecado capital” e contra essa marca os mais conscientes de nós tenta se desvencilhar a vida toda, se descontruir é um processo doloroso mas também libertador. Quem vive sob o julgo de um deus-patrão não conhece o amor de pai dele emanado amorosamente porque tudo cria. O tempo é circular e sobrepõe o fim nas abas do começo, a imagem de circuito fechado não é exagero e nem simplista demais que não surta efeito: é impossível para nossas consciências alcançar o que não-se-sabe-que-exista fora do tempo. Mas temos o sol todo dia, e isso devia bastar, ao menos para samambaias leitoras que me deram uns minutos de atenção na leitura das divagações que faço. Sei que eu devia falar sobre as eleições municipais que estão chegando, da necessidade dos políticos administrarem a cidade para todos e todas, sem distinção de classe social, gênero e etnia, isso está nas entrelinhas porque não quero ser panfletário nem partidário, desejo que as samambaias abram suas mentes para o novo, para o coletivo de fato não excludente, que em Franca a cultura seja vista como economia criativa e que a comunhão de cidadãos mais conscientes possa produzir mais caminhos até os confins. 

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Baltazar Gonçalves é historiador, mediador de leituras e escritor membro da Academia Francana de Letras, lançou este mês agosto/2024 sua 6º obra, o livro de contos “Quando permitir a maré”, pela editora Patuá.

 

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