NOSSAS LETRAS

Adolescência, significado no meu dicionário: a dois se faz a essência

Por Lígia Freitas | Especial para o GCN/Sampi Franca
| Tempo de leitura: 3 min

Na infância os pais entregam o corpo e a alma aos filhos pequeninos, claro, eles precisam dos adultos para se sentirem capazes; não ficam sozinhos nunquinha, estão sempre acompanhados, física e emocional-mente. A mente se constrói daqui para lá, linha invisível de palavras e exemplos.

Ah, a adolescência, agora a linha faz curva, é preciso desaprender o que os pais ensinaram para que a mente aprenda novamente à sua maneira. O adolescente gosta de mudar o “status quo” das regras e bases da sociedade, sim, o adolescente é um transgressor nato, dotado de sentimentos profundos por pontos de interrogação e de exclamação.

Cê tá por fora, pai! Cai fora, mina! Tá de zueira, vó? Caraca, véi!

Sim, o dialeto próprio faz parte dessa convivência a dois ou mais, indispensável para criar o indivíduo que será no futuro próximo. Não faz mais sentido perguntar: qual é o seu RG? Mas sim qual é a identidade da sua tribo? Nunca a palavra Perten-cimento fez tanto sentido, é como cimento mesmo, que constrói a morada de cada indivíduo a partir do coletivo.

E a infância é o chão que existe antes mesmo de se saber quem vai realmente morar ali.

Nem sempre é possível construir algo, às vezes vira casa, às vezes vira um prédio tão alto e soberbo, que se torna inalcançável.

Bom mesmo é quando o adolescente percebe que pode construir a própria casa feito casca, e sai com o corpo na casa, a casa no corpo, há quem desgrude do chão, mas é bom quando se enxerga terra nas mãos, nos pés, nas juntas, ledo engano pensar que a infância morre, o que morre são os ponteiros do relógio.

Tudo que move é sagrado e remove para a formação da casca, meu amor.

A paixão atravessa cada vértebra do adolescente, por isso tudo é tão intenso e parece tão óbvio, extremamente óbvio pra você e eu e todo mundo cantar junto. E quem é todo mundo? Os amigos e amigas que a dois ou mais constroem a própria essência.

Não é à toa que quando eu preciso fazer mala de viagem me recordo de minha amiga da adolescência Thaís, sigo à risca aquela ideia que aprendi: escreva no papel a troca de cada dia! Ela não sabe, mas com aquele simples gesto me ensinou economia, organização e consumo consciente.

A Keila sempre seguia em frente, não importava a tempestade, o maremoto; assistimos uma vez ao filme “Run Forest, Run”, até hoje eu me levanto quando a vida me derruba e corro sem olhar para trás, sei que apesar da distância, a Keila está ali ao meu lado, correndo também.

Mariana, menina moleca, gostava de esconder os dedos dos pés no chão e afogar a bolacha mabel no leite, sua vontade de viver escorria pela risada mais gostosa, é com esse jeito de achar que a vida pode ser maravilhosa, que tomo até hoje meu copo de leite pela manhã.

Fernanda e Juliana, a primeira me ensinou a falar, argumentar, talvez tenha escolhido o direito por causa dela, depois de um debate provocativo que tivemos no colegial. A segunda me mostrou o silêncio, palavra desconhecida numa casa de sete mulheres. A medida do silêncio superou meus medos e faz barulho nos meus dias de frio.

Marcela e Marina, carne unha, alma gêmea, bate coração, elas são a metade da minha laranja, o pedaço mais exagerado de mim. Juntas ouvimos todas as músicas que existiam no planeta, e a música era um barco a vapor que carregava nossas lágrimas e frustrações. Vez ou outra, o barco virava, não havia terra à vista, juntas morremos algumas vezes, ao som de Gilberto Gil “tem que morrer pra germinar”. Na minha vida adulta, a cada virada de ano eu prometo pra mim mesma: este ano eu não morro.

Por vezes, ainda me sinto na adolescência, a dois ou mais ainda formo minha essência. Como é bom viver no coletivo.

Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Comentários

Comentários