OPINIÃO

Reflexão sobre o Dia do Aposentado: Como anda a Previdência Social no Brasil?

Por Tiago Faggioni Bachur | Especial para o GCN/Sampi Franca
| Tempo de leitura: 9 min

No dia 24 de janeiro, comemora-se o Dia Nacional do Aposentado, data que homenageia os trabalhadores que dedicaram boa parte de suas vidas ao desenvolvimento do país e que agora “deveriam” desfrutar de um merecido descanso. Mas será que todos os aposentados brasileiros podem celebrar essa data com alegria e tranquilidade? Será que esse merecido descanso realmente acontece? Será que a Previdência Social, que deveria garantir a proteção e a dignidade desses cidadãos, está cumprindo o seu papel? Será que as reformas e mudanças de regras na aposentadoria, que ocorreram nos últimos anos, foram justas e necessárias? Será que há igualdade de condições e de direitos entre os diferentes tipos de aposentados e pensionistas? Será que o sistema previdenciário e sua gestão estão preparados para enfrentar os desafios do presente e do futuro?

Essas são algumas das questões que devemos nos fazer neste Dia do Aposentado, aproveitando a oportunidade para refletir sobre a situação da Previdência Social no Brasil, seus problemas, seus avanços e seus retrocessos.

1. Breve resgate histórico
Para quem não sabe, a Previdência Social no Brasil surgiu no início do século XX, com a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), que eram instituições vinculadas às empresas e aos sindicatos, que ofereciam benefícios aos seus empregados e associados. Essas CAPs foram se multiplicando e se diversificando, dando origem aos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), que eram organizados por categorias profissionais e que ampliaram a cobertura e a variedade de benefícios.

A partir de 1960, através da LOPS (Lei Orgânica da Previdência Social), a Previdência Social começa a se organizar e tomar os seus contornos. Passa-se a uniformizar os respectivos benefícios, com a criação das respectivas regras – muitos deles existentes até hoje.

Em 1966, os IAPs foram unificados em um único órgão, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que passou a administrar o sistema previdenciário de forma centralizada e padronizada. Em 1977, foi criado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), que integrava o INPS com outras entidades, como o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o Programa de Integração Social (PIS).

No ano de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, a Previdência Social foi elevada à categoria de direito social, garantido a todos os trabalhadores urbanos e rurais, mediante contribuição. A Constituição também estabeleceu os princípios e as diretrizes do sistema previdenciário, como a universalidade, a solidariedade, a equidade, a diversidade e a participação. Além disso, a Constituição definiu os regimes de previdência existentes no país: o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que abrange os trabalhadores do setor privado e os servidores públicos não titulares de cargo efetivo; o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que abrange os servidores públicos titulares de cargo efetivo; e o Regime de Previdência Complementar (RPC), que abrange os trabalhadores que optam por uma renda adicional à previdência oficial.

Já em 1990, foi criado o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que substituiu o INPS e passou a ser o responsável pela gestão do RGPS. Em 1993, foi criada a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que regulamentou a assistência social como política pública, destinada aos cidadãos que não contribuíram para a previdência ou que não têm condições de prover o próprio sustento. A LOAS instituiu o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que consiste em um salário-mínimo mensal pago aos idosos e às pessoas com deficiência que comprovem renda familiar per capita baixa.

Desde então, o sistema previdenciário brasileiro passou por diversas reformas e mudanças de regras, que visaram adaptá-lo às transformações sociais, econômicas e demográficas do país. Algumas dessas reformas foram realizadas por meio de emendas constitucionais, como a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, que estabeleceu o limite de idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição, a Emenda Constitucional nº 41, de 2003, que instituiu a contribuição previdenciária dos servidores públicos inativos e pensionistas, e a Emenda Constitucional nº 103, de 2019, que promoveu a mais recente e abrangente reforma da previdência, alterando diversos aspectos dos regimes previdenciários, como as idades mínimas, os tempos de contribuição, as alíquotas, as regras de transição, os cálculos dos benefícios, entre outros.

Observa-se que a cada nova mudança, a aposentadoria tem se tornado um sonho mais distante. Muitas vezes, obrigando o cidadão a trabalhar por mais tempo e recebendo cada vez menos. Isso, sem mencionar, que muitos se aposentam e se veem obrigados a continuar trabalhando para sobreviver.

2. Uma análise crítica
Como se sabe, a Previdência Social é um dos pilares da seguridade social no Brasil, juntamente com a saúde e a assistência social. Ela tem um papel fundamental na garantia de direitos, na proteção social, na distribuição de renda, na redução da pobreza e na promoção da cidadania. Segundo dados do próprio INSS, em novembro de 2023, o INSS pagou mais de 39 milhões de benefícios. Desse total, 5,65 milhões são auxílios assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), e 33,3 milhões previdenciários. Esses benefícios representam uma fonte de renda essencial para milhões de famílias brasileiras, especialmente nas regiões mais carentes e vulneráveis do país. Em outras palavras, é o dinheiro de aposentados e pensionistas que ajuda a movimentar a economia de muitas famílias e de muitas localidades.

No entanto, a Previdência Social também enfrenta uma série de problemas e desafios, que comprometem a sua sustentabilidade, a sua eficiência, a sua equidade e a sua qualidade. Entre esses problemas e desafios, podemos destacar os seguintes:

- O déficit previdenciário apresentado pelos governos: todos os governos (sem exceção) sustentam que existe resultado negativo entre as receitas e as despesas do sistema previdenciário, ou seja, a diferença entre o que se arrecada com as contribuições dos trabalhadores e dos empregadores e o que se gasta com o pagamento dos benefícios. Alguns especialistas de peso, como, por exemplo a ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), apontam que a Previdência Social não é deficitária, e sim superavitária. Segundo estudos recentes da ANFIP apresentados no ano de 2021, por 16 anos consecutivos a Previdência Social no Brasil se mostrou superavitária, porém “Os governos utilizam metodologias, distintas do estabelecido na Constituição Federal, que fabricam o déficit da Seguridade Social para questionar o crescimento dos gastos sociais e sua inviabilidade frente à economia e ao conjunto das receitas públicas” (vide mais em https://www.anfip.org.br/wp-content/uploads/2022/07/ANALISE-SEGURIDADE-SOCIAL-2021-1.pdf). Esse falacioso déficit apresentado pelos nossos governantes seria causado por diversos fatores, como o envelhecimento da população, a informalidade do mercado de trabalho, a sonegação e a inadimplência das contribuições, as fraudes e as irregularidades nos benefícios, entre outros. Dessa maneira, o argumento do suposto déficit previdenciário representaria um grave problema fiscal para o país, comprometendo a capacidade do Estado de investir em outras áreas prioritárias, como educação, saúde, infraestrutura etc.

- A desigualdade previdenciária: trata-se da disparidade entre os diferentes regimes e modalidades de previdência, que geram benefícios com valores e regras distintos, favorecendo alguns grupos em detrimento de outros. Por exemplo, os antigos servidores públicos do RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), em geral, recebem benefícios mais elevados e com regras mais vantajosas do que os trabalhadores do setor privado do RGPS (Regime Geral de Previdência Social). Além disso, em que pese a vedação da Constituição, há diferenças entre os benefícios urbanos e rurais, entre os benefícios especiais e os comuns, entre os benefícios por tempo de contribuição e por idade, entre os benefícios dos políticos e dos demais cidadãos, entre outros. Essas diferenças geram injustiças, privilégios, distorções e insatisfações, que afetam a confiança e a legitimidade do sistema previdenciário.

- A ineficiência previdenciária: trata-se da dificuldade de acesso, de atendimento, de concessão e de manutenção dos benefícios previdenciários, que prejudica a qualidade e a agilidade do serviço prestado aos segurados e aos beneficiários. Essa dificuldade é causada por diversos fatores, como a falta de pessoal, de infraestrutura, de tecnologia, de capacitação, de controle, de transparência, de fiscalização, de gestão, entre outros. Essa dificuldade gera atrasos, erros, negativas, revisões, recursos, processos, demandas judiciais, entre outros, que aumentam o custo e o tempo de obtenção dos benefícios. Embora tenha havido uma modernização, com a possibilidade de utilizar canais de informatização (Portal “Meu INSS”, PrevFone etc) é preciso ter em mente que boa parte dos usuários dos serviços prestados pelo INSS são “analfabetos digitais”. E aí, pergunta-se: a criação desses “novos” canais de atendimento, tirando as pessoas das filas presenciais e jogando-as nas filas virtuais, está, de fato, permitindo um melhor acesso da população aos serviços e informações ou está criando barreiras para isso?

3. Projeção de cenários
Diante desse quadro, qual é o futuro da Previdência Social no Brasil? Quais são as perspectivas para os aposentados e para os futuros aposentados? Quais são os desafios e as oportunidades que se apresentam para o sistema previdenciário e sua gestão?

Qual desses cenários é o mais provável? Qual desses cenários é o mais desejável? Qual desses cenários é o mais possível?

A resposta para essas perguntas depende de vários fatores, como as políticas públicas, as decisões judiciais, as ações governamentais, as reivindicações sociais, as mudanças econômicas, as transformações demográficas, entre outros. Mas depende, principalmente, de nós mesmos, de nossa consciência, de nossa participação, de nossa responsabilidade, de nossa cidadania.

A Previdência Social é patrimônio de todos os brasileiros, que deve ser preservado, aprimorado e compartilhado. É direito de todos os trabalhadores, que deve ser respeitado, garantido e valorizado. É dever de todos os cidadãos, que deve ser cumprido, fiscalizado e cobrado. É a conquista de todos os aposentados, que deve ser celebrada, reconhecida e honrada.

Neste dia 24 de janeiro, Dia do Aposentado, devem ser homenageados os milhões de brasileiros que contribuíram para o desenvolvimento do país e que agora merecem desfrutar de um merecido descanso. Vamos aproveitar e refletir sobre a situação da Previdência Social no Brasil, seus problemas, seus avanços e seus retrocessos. Vamos também projetar os cenários possíveis para o futuro da Previdência Social no Brasil, seus desafios, suas oportunidades e suas perspectivas. Vamos também agir para construir o cenário mais justo, mais sustentável e mais humano para a Previdência Social no Brasil, com mais equidade, mais eficiência e mais qualidade.

A Previdência Social é mais do que um sistema, é uma causa. Uma causa que envolve a todos nós, que depende de todos nós, que beneficia a todos nós. Uma causa que merece a nossa atenção, o nosso cuidado e o nosso respeito. Uma causa que pode unir, fortalecer e inspirar. Uma causa que pode nos fazer sonhar, nos fazer lutar e nos fazer vencer.

E, se você é um aposentado ou está prestes a se aposentar, e tem alguma dúvida sobre os seus direitos ou benefícios previdenciários, procure um advogado especialista em Direito Previdenciário de sua confiança. Ele poderá orientá-lo e auxiliá-lo na obtenção do benefício que você merece. Não deixe de buscar a sua proteção social, pois ela é essencial para a sua segurança e a de sua família.

Se você gostou desse texto ou conhece alguém que se encaixa nessa situação, compartilhe com os seus amigos e familiares, para que mais pessoas possam conhecer e exercer seus direitos.

Tiago Faggioni Bachur é advogado e professor de direito. Especialista em direito previdenciário

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Comentários

2 Comentários

  • Guilherme Corrêa Godinho 30/01/2024
    A realidade é que não temos nada pra comemorar! O aposentado sofre com as correções abaixo da realidade, abaixo da inflação real, abaixo do teto da previdência e abaixo do reajuste do salário mínimo. O aposentado(a) que incia com uma aposentadoria com 4 salários mínimos por exemplo, em pouco tempo estará recebendo 3, mais um pouco estará recebendo 2 e via de regra morre recebendo 1, porque não tem onde mais tirarem. Comemorar, o quê????
  • Orlando Arlindo 28/01/2024
    Fiz essa reflexão no início da minha vida produtiva porque via a dificuldade que passavam os aposentados naquele tempo. Então que, aposentado que estou depois de 46 anos de contribuição, me preparei para não passar vida de trabalhador aposentado que não passa os privilegiados do sistema, funcionários graduados do judiciário, por exemplo, e já fui tratando de arranjar uma atividade remunerada agora na velhice para complementar os meus ganhos e poder manter um razoável padrão de vida. Se vc, jovem, não pensar nisso e correr atrás agora na juventude, prepare-se para viver a sua velhice em carestia e sufocos econômicos, governo nenhum resolve a vida de ninguém, põe isso na sua cabeça.