NOSSAS LETRAS

Abdias do Nascimento: Santo de Casa, Herói da Pátria

Diz o ditado que santo de casa não faz milagre, algo como: se quiser reconhecimento na sua cidade, conquiste respeito fora e ganhe o mundo. Leia o artigo de Baltazar Gonçalves.

Por Baltazar Gonçalves | 20/01/2024 | Tempo de leitura: 6 min
Especial para o GCN/Sampi Franca

Diz o ditado que santo de casa não faz milagre, algo como: se quiser reconhecimento na sua cidade, conquiste respeito fora e ganhe o mundo. Talvez o que restou da Vila do Imperador não reconheça os heróis e heroínas nascidos em Franca. Por aqui, as mentalidades conservam mais o sentido de ordem estática de apartheid social que as transformações dinâmicas no presente, com inúmeros desafios apontando futuro dinâmico e mais inclusivo.  Vamos ao nome e ao dado informativo: você sabe quem é Abdias do Nascimento?

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou sem vetos no dia 08 de janeiro, uma lei que inclui o nome do ex-senador Abdias do Nascimento no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. A Lei 14.800 publicada no Diário Oficial da União foi sancionada no mesmo dia em que completa 01 ano a invasão de edifícios governamentais por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, vândalos orquestrados em golpe contra a democracia.  A data escolhida para canonizar Abdias do Nascimento HERÓI DA PÁTRIA é um recado claro: nossos heróis são pessoas que constroem contribuindo para o crescimento das mentalidades do nosso povo e a prosperidade da nação.

Qual seria a importância de Abdias do Nascimento para Franca, para o Brasil e mundo?  Talvez você tenha circulado no centro da cidade e descansado nos bancos da praça Carlos Pacheco de Macedo, talvez tenha ido ao Cemitério da Saudade nos dias de finados, talvez tenha reparado no prédio de 03 pisos na esquina da rua Oscar Brasilino Santos número 1.531, ali está a Casa da Cultura e do Artista Francano “Abdias do Nascimento”. O prédio é público e, como o nome indica, é espaço de muitos cômodos onde artistas da cidade podem, mediante agendamento e ofício, expor seus trabalhos de arte e promover encontros entre artistas e público, no piso térreo temos uma sala reservada para atividades da Academia Franca de Letras onde, todas as sextas das 15h às 17h, é possível encontrar escritoras e escritores desempenhando leituras e boa prosa. A casa da Cultura deve ser um espaço democrático e vem desempenhando esse papel. Lendo até aqui você já tem uma ideia de quem seja Abdias do Nascimento? Vejamos um pouco além.

Abdias do Nascimento nasceu em Franca (SP) em 1914, e morreu aos 97 anos em 2011. Ele foi poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político e ativista dos direitos civis na luta contra o racismo e pela proteção de direitos e garantias das populações negras e afrodescendentes. Depois de ser alvo de racismo em um emprego na área administrativa de uma fazenda em Franca, Abdias mudou-se para São Paulo, onde se alistou no Exército e entrou para a faculdade de economia da Escola de Comércio Álvares Penteado. Em 1982, foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro, sob a bandeira da luta contra o racismo. Na década de 1990, chegou ao Senado como suplente de Darcy Ribeiro e chegou a assumir a cadeira de senador em duas ocasiões. Em 2004, recebeu o Prêmio Toussaint Louverture "pelos extraordinários serviços prestados à luta contra a discriminação racial", na sede da Unesco, em Paris.

Por isso e muito mais como se verá, o  Projeto de Lei 2.526/2022 que representa um posicionamento unanime não só entre políticos influentes, mas por todos os estratos sociais, que o ativista Abdias do Nascimento fora um grande personagem na luta antirracista, e que, portanto, louvar sua memória é reviver sua causa espelhada na luta dos que vieram antes dele, desde Zumbi dos Palmares e antes ainda, desde os portos na África de onde dezenas de milhares de mulheres, homens e crianças livres foram feitos cativos escravizados para alimentar a predadora economia colonial. Essa triste realidade não é apenas matéria do ensino em nossas escolas, é também a estrutura sobre a qual nossas mentalidades ainda têm raízes amargas fazendo que, de diferentes formas e graus, o racismo ainda seja combustível do ódio que nos acerca, sentido na pele especialmente da população preta afrodescendente que é a grande maioria da população brasileira. 

Para saber mais sobre as conjunturas históricas que forjam “heróis da pátria”, um pouco de História favorece. Desde a Proclamação da República implantada em 1889 num golpe da elite latifundiária, sem a mínima participação popular que inclusive resistiu desejando o retorno da monarquia, sendo o maior entrave para implementação do novo regime A GUERRA DE CANUDOS, extermínio em massa de uma comunidade de pretos, pardos e brancos pobres, todos desvalidos e rejeitados pelo novo sistema republicano e agrupados em torno da fome e da necessidade de lutar pela sobrevivência no sertão da Bahia. Os números não são consensuais entre os historiadores, mas a estimativa é que tenham morrido no conflito cerca de 25 mil pessoas, sendo 5.000 militares e 20 mil civis. Antônio Conselheiro, que na opinião desse cronista historiador que lhes escreve é mais um herói da assistência, ele morreu dia 22 de setembro e a Guerra terminou dia 5 de outubro de 1897. Desde a proclamação da República, dizíamos, os militares em ascensão no poder constituíram um panteão de figuras a serem idolatradas, biografias míticas ensinadas de geração em geração para firmar o ideário “moderno progressista” numa chave ideológica cartesiana eurocêntrica, esses “heróis da pátria” eram homens da linha de frente nas inúmeras  batalhas contra as insurreições populares, nunca mulheres ou pretos, esses estavam do lado dos oprimidos e portanto nunca escreveram seus nomes na versão da história contada com fins pedagógicos ideologicamente marcada. Ainda hoje nas escolas é esse tipo de narrativa que sobressai, mas é uma realidade em evidente transformação. O perigo de uma “história única” contada pelos vencedores, que são os que estão no poder fazendo uso dele para perpetuação de seus interesses de classe em detrimento do bem comum, o perigo como se dizia é a limitação das representações e dos ideários para que cada indivíduo possa definir o que o representa na representa em que vive, e não as narrativas fantasiosas ideologicamente comprometidas dos livros didáticos de uma história oficial fraudulenta, ultrapassada e comprometida com as classes dominantes e seus pressupostos racistas.

Sobre Abdias do Nascimento, poderíamos elencar tantas batalhas vencidas em sua trajetória além de ter sido um dos principais organizadores do Comitê Democrático Afro-Brasileiro, entidade que lutou pela libertação dos presos políticos do Estado Novo. Abdias editou o jornal Quilombo: Vida, Problemas e Aspirações do Negro. Foi o fundador de entidades pioneiras como o Teatro Experimental do Negro (TEN), o Museu da Arte Negra (MAN) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO). Para conhecer mais sobre Abdias do Nascimento, suas obras podem ser admiradas neste site OBRAS ABDIAS NASCIMENTO | Ipeafro

Há na tradição africana um conceito que pode traduzir o que representa Abdias do Nascimento, especialmente nesse momento quando o celebramos HERÓI DA PÁTRIA: o sankofa, parte de um conjunto de ideogramas chamados adinkra, representado por um pássaro que volta a cabeça à cauda, um símbolo a representar a constante necessidade de retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro melhor para todos.

Baltazar Gonçalves é historiador formado pela UNESP e escritor membro efetivo da Academia Francana de Letras

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1 COMENTÁRIOS

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  • MAG.
    22/01/2024
    O Francano é um ser sem cultura. Arrogante e ignorante em sua maioria. Seus idolos são Neymar, Zezé de camargo, Véi da Havan e outras porcarias por aí. O Francano idolatra é gente rica de dinheiro e pobre de espirito .