O ano de 2023 foi um ano de muitas emoções e surpresas no cenário da previdência social. Ações judiciais, decisões legislativas, problemas administrativos e crises econômicas marcaram a história dos beneficiários do INSS. Vamos fazer uma contagem regressiva dos sete fatos mais importantes que ocorreram em 2023 no mundo do INSS, e o que eles representam para o presente e o futuro da previdência.
Os 100 anos da Lei Eloy Chaves
O ano de 2023 começou muito bem, pois em janeiro, a previdência social brasileira completou 100 anos de existência. A data marca a promulgação da Lei Eloy Chaves, em 24 de janeiro de 1923, que criou as caixas de aposentadorias e pensões (CAPs) para os trabalhadores ferroviários, consideradas o embrião da previdência social no Brasil. A Lei Eloy Chaves foi o resultado de uma luta histórica dos trabalhadores, que reivindicavam melhores condições de trabalho e de vida. A Lei Eloy Chaves foi o primeiro passo para a construção de um sistema previdenciário solidário, universal e distributivo, que se consolidou ao longo do século XX, com a criação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em 1990, e a inclusão da previdência social como direito social na Constituição Federal de 1988. A comemoração dos 100 anos da Lei Eloy Chaves foi uma oportunidade para refletir sobre a importância da previdência social para a proteção dos trabalhadores e para a promoção da justiça social.
Inconstitucionalidade da Reforma da Previdência
Em 2023, o STF também julgou diversas ações que questionavam a constitucionalidade de vários pontos da reforma da previdência, aprovada em 2019 pela EC nº 103/2019. As ações foram propostas por entidades sindicais, partidos políticos e associações de classe, que alegavam que a reforma da previdência violava direitos e garantias fundamentais dos segurados, como a dignidade da pessoa humana, a proteção à família, a segurança jurídica e a vedação ao retrocesso social. Os principais pontos questionados eram: a redução do valor da pensão por morte, a diferença de cálculo entre a aposentadoria por incapacidade permanente decorrente de doença ou acidente de trabalho em relação àquela que não é, a exigência de idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição, entre outros. O STF decidiu que a reforma da previdência era constitucional e que não havia violação aos princípios constitucionais no que tange ao cálculo das pensões por morte, por exemplo. A decisão do STF foi uma derrota para os segurados, que tiveram seus direitos reduzidos e suas expectativas frustradas. No entanto, há diversos outros pontos que ainda não chegaram ao STF sobre a discussão de inconstitucionalidade, mas que, certamente, poderão ser abordadas nesse próximo ano de 2024.
Aposentadoria dos agricultores familiares com a inclusão de auxílio-acidente
Em 2023, a Justiça reconheceu o direito à aposentadoria dos agricultores familiares que recebiam auxílio-acidente, permitindo que eles incluíssem no cálculo de sua aposentadoria o valor do auxílio-acidente (caso recebessem tal benefício).
Em regra, o pequeno agricultor, que trabalha sozinho ou junto com a família, mesmo sem contribuir para o INSS, tem direito a todos os benefícios do INSS, bastando comprovar tal condição. Alguns pensam, equivocadamente, que eles só têm direito a aposentadoria por idade... Não é verdade, pois, repita-se, mesmo sem pagar o INSS, eles têm direito a auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, aposentadoria por idade, salário-maternidade, pensão por morte e todos os demais benefícios – inclusive o auxílio-acidente. O auxílio-acidente não deve ser confundido com o auxílio-doença por acidente. O auxílio-acidente é uma espécie de indenização para o trabalhador que sofre qualquer tipo de acidente e fica com sequela. Dessa forma, se o agricultor sofreu um acidente (por exemplo, bateu a enxada no pé e perdeu a ponta do dedo), em um primeiro momento, teria direito ao auxílio-doença (ficando “afastado” pelo INSS até se recuperar e poder voltar ao trabalho). Logo depois da “alta”, como ele ficou com sequela (perdeu parte do dedo do pé, neste exemplo), assim que cessar o auxílio-doença, passa a fazer jus ao recebimento do auxílio-acidente (estando ou não trabalhando).
O cidadão pode trabalhar e receber do INSS ao mesmo tempo.
Pela lei, o auxílio-acidente soma-se com o salário recebido e entra no cálculo das aposentadorias dos trabalhadores urbanos. E agora, com a decisão judicial, não há discussão: também vale para os trabalhadores rurais.
A decisão foi baseada em uma tese jurídica que alegou que o auxílio-acidente é um benefício de natureza indenizatória e que não pode ser excluído do cálculo da aposentadoria do segurado rural. A decisão da Justiça foi um avanço para os agricultores familiares, que exercem uma atividade de risco, de relevância social e que sofreram algum acidente que lhes deixou sequela.
Perícias administrativas por análise documental
Em 2023, o INSS adotou uma nova forma de realizar as perícias administrativas para os casos de incapacidade com até 180 dias de afastamento. Ao invés de exigir a presença do segurado em uma agência do INSS, o órgão passou a aceitar a análise de documentos (atestados médicos) como prova da incapacidade. Além disso, o INSS também permitiu o pedido de prorrogação do benefício sem a necessidade de perícia. A medida foi uma tentativa de agilizar o atendimento dos segurados e reduzir a fila de espera de requerimentos em atraso.
Em 2024, o INSS espera reduzir o tempo de espera para análise de benefícios para o prazo médio de 30 dias.
Robôs na análise de benefícios
Em 2023, o INSS também utilizou uma outra polêmica medida para reduzir a fila de espera na análise de benefícios. Anunciou que passou a utilizar “robôs” (inteligência artificial) para a análise de benefícios previdenciários. Segundo o órgão, os robôs são capazes de avaliar os requisitos legais e os documentos dos segurados e emitir uma decisão em poucos minutos.
Dessa maneira, o objetivo da medida foi acelerar o processo de concessão de benefícios e otimizar o trabalho dos servidores. No entanto, a medida também gerou muitas críticas e contestações, pois muitos segurados tiveram seus benefícios negados pelos robôs, sem uma análise humana e individualizada. Com isso, houve um aumento significativo de recursos e de demandas na Justiça, sobrecarregando ainda mais o sistema.
Revisão da vida toda
Após muita discussão sobre a “Revisão da Vida Toda” (válida para todo mundo que se aposentou entre 1999 a 2019), que buscava a possibilidade de aplicar a regra de cálculo mais favorável ao segurado na revisão da aposentadoria, considerando todas as contribuições realizadas desde antes de julho de 1994, o STF havia decidido, em novembro de 2021, que a revisão da vida toda era constitucional e deveria ser concedida aos segurados que comprovassem que teriam direito a um benefício maior se fossem consideradas as contribuições anteriores à vigência da Lei nº 9.876/1999.
No entanto, o INSS apresentou um embargo de declaração, questionando a decisão e tentando anulá-la. Em um primeiro momento, o Ministro Cristiano Zanin aceitou e tentou anular a decisão do STJ. O embargo de declaração foi relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, que decidiu remeter o caso para julgamento em plenário, o que só deve acontecer em 2024. Com isso, a revisão da vida toda ficou sem uma definição, gerando incerteza e frustração para os aposentados.
Pagamento dos precatórios
Os últimos dias de 2023 trouxe um final feliz para muitos que tinham algum valor para receber do INSS. Isso porque, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7064, que questionava a constitucionalidade da regra que limitava o pagamento dos precatórios federais. Para quem não sabe, quando alguém ingressa com ação na Justiça para receber um direito (como, por exemplo, uma ação para a concessão de uma aposentadoria que o INSS negou ou uma revisão para pagar o valor correto de um benefício previdenciário), após terminada a demanda, se for reconhecido o direito, o cidadão não receberá de imediato. Receberá um título (chamado “precatório”), entrando numa espécie de fila para aguardar o pagamento. Acontece que uma regra, aprovada em 2021, fazia com que a dívida fosse rolada para os anos seguintes, gerando um passivo de cerca de 200 bilhões de reais até 2027. A ADI 7064 foi proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que alegou que a regra violava o direito de propriedade e o princípio da isonomia. O STF decidiu, por maioria de votos, que a regra era inconstitucional e determinou que os precatórios que não foram pagos na época oportuna deveriam ser quitados no início de 2024. A decisão do STF foi uma vitória para os credores, que esperavam há anos pelo recebimento de seus direitos através dos precatórios.
Conclusão
Ao final dessa contagem regressiva, vimos que o ano de 2023 foi um ano de muitos contrastes e contradições no mundo do INSS. Os beneficiários do INSS tiveram que enfrentar as mudanças e buscar seus direitos. Alguns fatos foram positivos, outros negativos. Mas o que importa é que a previdência social continua sendo um direito fundamental e um instrumento de justiça social. Para 2024, esperamos que a previdência social seja mais eficiente, mais justa e mais humana. E se você tiver alguma dúvida, procure um advogado especialista em Direito Previdenciário de sua confiança. Ele poderá orientá-lo e defender os seus interesses. Feliz 2024!
Tiago Faggioni Bachur é advogado e professor de direito. Especialista em direito previdenciário
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