OPINIÃO

Benefícios diferenciados do INSS para quem trabalha com a voz

Por Tiago Faggioni Bachur | Especial para o GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 11 min

Você trabalha com a sua voz? É professor, vendedor, locutor, jornalista, cantor, telefonista ou exerce alguma outra profissão que exige o uso constante da sua voz? Sabia que lesões na voz podem ser consideradas doenças do trabalho e que, além de ter direito a auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, existem muitos outros benefícios que você pode ter direito? Que é possível, por exemplo, receber uma “indenização” do INSS e continuar trabalhando ao mesmo tempo e que essa indenização entrará no cálculo da sua futura aposentadoria também (seja ela, qual for)? Que também dá para “escapar” da Reforma Previdenciária e aposentar a partir dos 20 anos de tempo de contribuição (no caso das mulheres) e a partir dos 25 anos de tempo de contribuição (no caso dos homens)? E que, ainda, no caso da aposentadoria por idade, a pessoa que tem lesão na voz, pode aposentar com 55 anos (mulher) ou 60 anos (homem)?

As lesões na voz
Inicialmente, é importante ter em mente que as lesões na voz são alterações que ocorrem nas cordas vocais, que são pregas de músculo e tecido que ficam dentro da laringe, o órgão que fica na parte anterior do pescoço. As cordas vocais se abrem e se fecham conforme o ar passa por elas, gerando vibrações que produzem os sons da voz. Quando as cordas vocais sofrem algum tipo de agressão, elas podem se inflamar, inchar, sangrar, formar nódulos, pólipos, cistos, granulomas ou até mesmo tumores.

As causas mais comuns das lesões na voz são o abuso vocal, que é o uso excessivo ou inadequado da voz, como gritar, falar muito alto, falar por muito tempo, imitar vozes, cantar fora do tom, etc... Também, o mau uso vocal, que é o uso incorreto da técnica vocal, como respirar errado, forçar a garganta, falar com a boca fechada etc. Outras causas são o estresse, que pode provocar tensão muscular e alteração hormonal; o tabagismo, que irrita e resseca as cordas vocais; o refluxo gastroesofágico, que é o retorno do ácido do estômago para o esôfago e a garganta, causando inflamação e queimação; as alergias, que podem provocar coceira, secreção e edema nas cordas vocais; e a postura inadequada, que pode interferir na respiração e na articulação dos sons.

Os sintomas mais comuns das lesões na voz são a rouquidão, que é a alteração do timbre, da intensidade ou da qualidade da voz; a disfonia, que é a dificuldade ou a dor para falar; a afonia, que é a perda total da voz; a falha na voz, que é a interrupção involuntária da emissão sonora; a cansaço vocal, que é a sensação de esforço ou de fadiga para falar; a ardência, a secura, o pigarro ou a sensação de corpo estranho na garganta; e a alteração da extensão vocal, que é a dificuldade para alcançar notas mais graves ou mais agudas.

Para prevenir as lesões na voz, é importante adotar alguns cuidados, como beber bastante água, para hidratar as cordas vocais; evitar fumar, ingerir bebidas alcoólicas ou alimentos muito condimentados, que podem irritar a mucosa da laringe; evitar falar em ambientes ruidosos, que podem exigir um esforço maior da voz; evitar falar por muito tempo seguido, fazendo pausas para descansar a voz; evitar pigarrear, tossir ou limpar a garganta com frequência, que podem machucar as cordas vocais; evitar falar muito baixo ou muito alto, procurando manter um tom de voz adequado; evitar falar com a boca seca, mastigando bem os alimentos e evitando balas ou pastilhas que possam ressecar a boca; evitar falar com a boca fechada ou com a língua presa, que podem dificultar a articulação dos sons; evitar imitar vozes ou sotaques, que podem forçar a musculatura da laringe; evitar falar quando estiver gripado, resfriado ou com alergia, que podem inflamar as cordas vocais; e procurar um médico otorrinolaringologista ou um fonoaudiólogo se perceber qualquer alteração na voz que persista por mais de 15 dias.

Para tratar as lesões na voz, é necessário identificar a causa e o tipo de lesão, por meio de uma avaliação médica e de um exame chamado laringoscopia, que permite visualizar as cordas vocais. O tratamento pode variar de acordo com o caso, mas geralmente envolve o uso de medicamentos, como anti-inflamatórios, analgésicos, antialérgicos ou antiácidos; a realização de terapia fonoaudiológica, que consiste em exercícios e orientações para melhorar a técnica vocal e a saúde vocal; e, em alguns casos, a realização de cirurgia, que visa remover as lesões das cordas vocais, como nódulos, pólipos, cistos ou tumores.

Mas o que as lesões na voz têm a ver com os benefícios do INSS?
Algumas pessoas pensam que a lesão na voz pode conceder apenas o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez (que após a Reforma Previdenciária passaram a se chamar, respectivamente, benefício por incapacidade temporária e benefício por incapacidade permanente). Não é verdade... Há, também a possibilidade de receber uma espécie de indenização do INSS (onde o segurado pode trabalhar e receber do INSS ao mesmo tempo) e até mesmo de se aposentar antes (por tempo ou por idade) e com um cálculo mais vantajoso.

Vamos explicar cada um desses possíveis benefícios.

Auxílio-doença e Aposentadoria por Invalidez
Quando o segurado está temporariamente incapaz para o trabalho, pode ter direito ao recebimento do auxílio-doença. Um professor ou um vendedor, que fica afônico e precisa fazer um tratamento para se recuperar, por exemplo, pode ter direito ao auxílio-doença. Isso significa que haverá possibilidade de retorno às atividades após determinado período. Ele ficará “afastado” e receberá do INSS. Para receber o auxílio-doença, é necessário que a incapacidade seja superior a 15 dias (pois os 15 primeiros dias de afastamento serão pagos pelo empregador e a partir do 16º dia é que o INSS pagará o benefício). Para isso, é necessário documentos médicos que comprovem a incapacidade (tais como relatórios, exames, laudos, receitas médicas etc.).

Já a aposentadoria por invalidez será concedida para o segurado que ficar total e permanentemente incapaz para o seu trabalho ou atividade habitual e insuscetível de reabilitação para outra atividade que lhe garanta a subsistência. Isso quer dizer que, se um cantor perde a voz ou não pode mais cantar, poderá aposentar por invalidez e não conseguir aprender nenhuma outra profissão nova (que é chamada de reabilitação profissional). Essa reabilitação, caso seja possível, será a cargo do INSS e deve observar questões como idade, sexo, grau de instrução etc. Não sendo possível retornar a atividade a habitual e não sendo possível a reabilitação, pode ser concedida a aposentadoria por invalidez (mesmo que o segurado não esteja totalmente “inválido”).

É importante destacar que quando a lesão na voz gerar o direito a aposentadoria por invalidez, o trabalhador deve ficar atento. Isso porque, com as novas regras da Reforma Previdenciária (que passaram a valer depois de novembro/2019), de um modo geral, o cálculo da aposentadoria por invalidez ficou PIOR – ou seja, a partir de 60% da média dos salários. No entanto, há uma exceção: quando se tratar de doença do trabalho (e a lesão na voz pode ser decorrente do trabalho). Dessa maneira, nessa hipótese o valor da aposentadoria deverá ser sempre de 100% da média dos salários. Por isso, é importante que o segurado fique atento nos cálculos do INSS.

Indenização do INSS por lesão na voz
Embora, exista a Lei garantindo a possibilidade dessa indenização pelo INSS desde 1960, poucas pessoas conhecem esse benefício – onde o segurado pode trabalhar e receber (ao mesmo tempo) do INSS.

Quem tem uma lesão na voz que reduza definitivamente a sua capacidade para o trabalho pode ter direito a essa espécie de indenização. Veja que a pessoa não está impedida de trabalhar... Porém, em razão da sequela, não consegue trabalhar da mesma maneira se comparado a outro indivíduo que não possui a lesão na voz. Em regra, será preciso um esforço maior ou uma adaptação para a realização da atividade (ou, às vezes, foi necessário até mudar de atividade).

Esse benefício, que possui caráter indenizatório é conhecido como auxílio-acidente. Porém, muitos confundem com auxílio-doença por acidente (que não é a mesma coisa).

O auxílio-acidente é uma indenização mensal que o INSS paga ao segurado que sofre um acidente de qualquer natureza ou adquire alguma doença do trabalho, e que apresenta sequelas permanentes que diminuam a sua capacidade laborativa. Geralmente, o auxílio-acidente começa após o fim do auxílio-doença. Essa situação DEVERIA ser avaliada pela perícia logo depois da alta do auxílio-doença (mas nem sempre é isso que acontece). Em outras palavras, a mesma perícia que concede a alta do auxílio-doença deveria implantar o auxílio-acidente por causa da sequela da voz.

Portanto, o auxílio-acidente é um benefício de natureza indenizatória, ou seja, ele não impede que o segurado continue trabalhando e recebendo o seu salário normalmente. Ele é um complemento para compensar a sua perda de capacidade (tipo um “seguro”). O valor do auxílio-acidente é de 50% do salário de benefício. Como destacado, o auxílio-acidente é pago desde o dia seguinte ao término do auxílio-doença e vai durar até a véspera da aposentadoria ou da morte (esteja o segurado trabalhando ou não).

Vale destacar que o auxílio-acidente será somado com o salário, na hora em que o trabalhador for se aposentar no futuro (pouco importando a modalidade de aposentadoria). Assim, a exemplo, se o segurado tinha um salário mensal de R$ 3 mil e recebia todo mês R$ 2 mil de auxílio-acidente, o valor utilizado para o cálculo quando ele for se aposentar será de R$ 5 mil.

Lesão na voz pode antecipar a aposentadoria por tempo e a aposentadoria por idade
Quem possui lesão na voz acaba tendo dificuldade ou algum tipo de barreira de sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Em outras palavras, o indivíduo passa a ter uma espécie de sequela que não impede de fazer as suas coisas do dia a dia e/ou do trabalho, mas acaba “atrapalhando” quando comparada a outras pessoas. Como se disse, é uma espécie de “barreira” (que não deve ser confundida com incapacidade). Ou seja, nem todo mundo que possui alguma “barreira” está inapto para o trabalho.

Contudo, vale destacar que quem possui esse tipo de “barreira” pode ter direito a uma aposentadoria diferenciada, que permite que o segurado se aposente mais cedo e com um benefício maior.

A Lei que trata disso entrou em vigor em novembro de 2013, regulamentando a aposentadoria das pessoas que possuem algum tipo de barreira.

Nesse caso, quem ficou com alguma sequela na voz pode se aposentar por tempo de contribuição com até 10 anos a menos, dependendo da extensão dessa lesão e desde quando a possui. Isso quer dizer que a mulher pode aposentar a partir dos 20 anos de contribuição (ao invés de 30) e o homem a partir dos 25 anos de contribuição (ao invés de 35).

Já no que se refere a aposentadoria por idade para quem tem alguma sequela na voz, esta será aos 55 anos de idade para as mulheres (ao invés de ser aos 62) e para os homens aos 60 anos (ao invés de 65). É preciso, ainda, possuir a lesão há pelo menos 15 anos.

Mas como saber se o segurado é uma pessoa que possui “barreira” e qual é o seu grau?
Para isso, será necessário passar por uma avaliação médica e funcional, que vai considerar os seus impedimentos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais, os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais, a limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação. Essa avaliação é feita por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar do INSS, que vai emitir um laudo com o seu grau de barreira e o seu tempo de contribuição como pessoa que possui barreira.

Por fim, ressalta-se que essas modalidades de aposentadoria não entraram na Reforma Previdenciária de 2019. Isso quer dizer que o cálculo costuma ser muito mais vantajoso do que as demais aposentadorias.

Conclusões Finais
Observa-se que as lesões na voz são um problema sério, que pode afetar não só a saúde do trabalhador, mas também a sua aposentadoria. Por isso, é importante que todos cuidem bem da sua voz, evitando os fatores que podem causar as lesões, e que procure um médico ou um fonoaudiólogo se notar qualquer alteração. E, quem tiver alguma lesão na voz que diminui (mas não impede) a capacidade para o trabalho, é preciso ficar atento para não perder dinheiro, já que pode ter direito ao auxílio-acidente. Também, pode ter direito à aposentadoria antecipada e diferenciada, em razão dessas sequelas ou barreiras, que pode ser mais vantajosa ainda (escapando da Reforma Previdenciária). De qualquer maneira, é imprescindível que, em caso de dúvida, procure sempre um advogado especialista em Direito Previdenciário, de sua confiança, que possa lhe orientar e defender os seus interesses.

Por fim, se você gostou desse texto ou conhece alguém que se encaixa nessa situação, compartilhe com os seus amigos e familiares, para que mais pessoas possam conhecer e exercer seus direitos.

Tiago Faggioni Bachur é advogado e professor especialista em direito previdenciário

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Comentários

1 Comentários

  • Diva Lourdes oliveira 15/11/2023
    Meus parabéns! Adorei o artigo. Trabalho como operadora de telemarketing há mais de sete anos e observo que perdi muito da minha capacidade vocal. Esse artigo é um alerta pra todos meus parceiros de trabalho. Vou compartilhar!