NOSSAS LETRAS

Guerra em tempo real

Os conflitos árabe-israelenses não datam do último sábado; judeus e palestinos sempre se desentenderam por motivações religiosas. Leia o artigo de Sonia Machiavelli.

Por Sonia Machiavelli | 14/10/2023 | Tempo de leitura: 5 min
Especial para o GCN/Sampi Franca

Se para alguns historiadores o século XX teve início efetivo em 1º de setembro de 1914, em razão do início da Primeira Guerra Mundial, o século XXI começou, de fato, na manhã de 11 de setembro de 2001, com o ataque terrorista às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque, e ao prédio do Pentágono, em Washington. Esses ataques, vistos em tempo real por todo o mundo, foram planejados e executados pela rede terrorista islâmica de atuação internacional, a Al-Qaeda, que, à época, era comandada pelo saudita Osama Bin Laden. O acontecimento até então inaudito revelou não apenas nova forma de ataque, perfeitamente coordenado, como também novo conceito de guerra.

Os israelenses estão chamando de “nosso Onze de Setembro” o ataque sofrido dia 8 de outubro, da parte do grupo Hamas. Contam na comparação, além da autoria islâmica e do caráter terrorista, o fator surpresa, o alto grau de violência, a destruição inenarrável, a crueldade inominada, o número de civis mortos. Aturdidos, olhamos nas telas as imagens que neste novo tempo nos permitem acompanhar ao vivo a trajetória dos mísseis riscando o mesmo céu que Cristo, Maomé e os profetas do Antigo Testamento contemplaram. E na busca por resposta plausível às razões do conflito, encontramos os historiadores: não se pode entender uma guerra a não ser voltando no tempo.

Os conflitos árabe-israelenses não datam do último sábado; judeus e palestinos sempre se desentenderam por motivações religiosas. E a essas juntaram-se, com o passar do tempo, as geográficas e, por fim, as políticas, agravadas após o reconhecimento do Estado de Israel pela ONU em 1948. Países muçulmanos como Egito, Jordânia, Iraque, Síria e Líbano não reconheceram de imediato a legitimidade da existência do Estado de Israel e entraram em guerras contra este país. A maior delas, até o último sábado, foi chamada de Guerra do Yon Kipur (Dia do Perdão), nome de um feriado religioso hebreu.  Israel de um lado, Egito e Síria de outro, entraram no dia 6 de outubro de 1973 em disputa armada pelas terras próximas ao Canal de Suez. A guerra durou vinte dias, com a vitória dos israelenses. No armistício assinado, o Egito reconheceu a existência do Estado de Israel, tornando-se o primeiro país árabe a fazê-lo.

Como se pode ver, israelenses têm enfrentado inimigos o tempo todo, o que os levou a criar um sistema de defesa tido como dos mais perfeitos do planeta. Entretanto, em algum ponto ou momento falharam, o que permitiu ao Hamas entrar de surpresa no território judeu. Cerca de 300 terroristas cortaram com facilidade a cerca que se estende por 59 quilômetros e separa a Faixa de Gaza de Israel. Dali seguiram até uma festa organizada por jovens israelenses e mataram 267 deles, sequestrando mais de uma centena e ferindo gravemente os que tentaram fugir em seus carros. Depois atacaram alguns kibutz. Ao saber da agressão, o mundo ficou atônito com a selvageria dos terroristas do Hamas, cuja crueldade é explícita, e com a falha dos israelenses, cuja proteção aos cidadãos era até então inquestionável.

Desde o sábado, 8, até o momento em que escrevo, manhã de sexta, 13, o que se tem visto na TV parece filme de terror. Com detalhes somos informados de que os hamadistas barbarizaram: depois de matarem, fotografaram com celulares das vítimas seus corpos e enviaram as imagens aos pais e parentes. Israel reagiu e lançou sobre Gaza milhares de mísseis, destruindo parcialmente a cidade.

Polarizadas, em qualquer latitude pessoas de nacionalidades diversas tomam partido de um ou de outro, embora me pareça indefensável quem começa uma agressão. Sempre será oportuno deixar claro que o povo palestino não pode ser responsabilizado pela ação de um grupo radical que em nome da destruição de Israel pratica o jogo medonho do terror. Os radicais do Hamas são todos palestinos. Mas nem todo palestino faz coro ao Hamas. No frigir dos ovos, todos os civis, árabes e israelenses, são vítimas que estão sofrendo com as ações militares, a morte de pessoas próximas, a falta de água, alimentos e remédios, a reação das crianças a cada estrondo.

Numa transmissão da CNN, um israelense conta entre lágrimas que a filha pequena cobre os ouvidos com as mãos e corre chorando para os seus braços toda vez que ouve barulho de bombas. Quando ela lhe pergunta: “o que é isso, papai?”, ele lhe responde que são fogos de artifício. Como não lembrar de “A vida é bela”, filme pungente de Roberto Benigni que retrata um campo de concentração? Em outro momento, uma palestina desesperada diante do jovem filho morto é contida pelo caçula adolescente. Neste contexto, como não recordar a frase de Golda Meyer, primeira-ministra de Israel (1969-1974): “Uma mãe árabe que perde seu filho no campo de batalha chora tão amargamente quanto uma mãe israelense na mesma condição".

Diante de cenários de tanta violência, penso que nosso desenvolvimento emocional não acompanhou o tecnológico. Ainda somos bárbaros que buscam na eliminação do inimigo a solução para divergências. A solução no Oriente Médio só será possível com diplomacia, argumentações, acordos que levem em conta o bem maior de todos que é a vida. Não haverá paz enquanto a Palestina não for reconhecida como nação. Isso é quase um clichê, mas é a verdade.

 Outra condição para cessar de vez a rivalidade poderia ser alcançada com a educação. Entre bombardeios e ambulâncias, uma entrevistadora da Globo News ouviu duas professoras de Tel Aviv. São alfabetizadoras na mesma escola. Uma ensina árabe; outra, hebraico. Todas as crianças aprendem os dois idiomas. Pensando que há pais que mantêm os filhos nesta escola e educadores que consideram a alteridade e a inserem no currículo, acredito que a esperança em melhores dias está sendo cultivada como pequeninas sementes de sésamo. A longo prazo poderá haver mudança de mentalidade e então o ódio deixará de se fazer presente na agenda desses povos de culturas milenares.

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1 COMENTÁRIOS

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  • José Borges da Silva
    15/10/2023
    Excelente análise (com o destaque de fatos tocantes), Sônia.