NOSSAS LETRAS

Outono

Por Lúcia Brigagão | Especial para o GCN
| Tempo de leitura: 3 min

O nome do hotel, não me lembro. Ficava no St. James Park – pouco distante, mas longe daquele onde o presidente – e comitiva inteira - se hospedou recentemente. Mas era lindo, aconchegante, classudo. E caro. Mas nada perto daquele onde o presidente – e comitiva inteira - se hospedou recentemente. Era inexperiente tanto em viagens, quanto em custos no exterior. Depois descobri, tudo é caro em Londres. E eu não tinha nenhuma embaixada que me oferecesse pouso e comida.

Havia chegado à noite. Claro, chovia. Nunca me esqueci do que se descortinou diante dos meus olhos ao sair de manhã. Parecia encomenda. Frio, claro. Paisagem maravilhosa de folhinha de calendário. Folhas das árvores amareladas, douradas, algumas verdes e tudo misturado nas sendas dos corredores em volta do lago do majestoso parque que eu conhecia apenas dos filmes do James Bond e só veria pessoalmente tantos anos depois. Materialização de sonho. Zumbizando de emoção atravessei a rua. Entrei. Fui pisando nas folhas, quebrando o silêncio com o ruído seco que a sola da minha bota fazia ao pisar nelas e tiritando de frio que me fazia soltar fumaça pela boca, ao respirar. Lembrava-me enquanto isso, do antigo desejo de conhecer terras distantes.

Cristo! eu estava em Londres, depois de estadia em Paris. Dois sonhos tornados realidade em duas semanas consecutivas. Voltei muitas outras vezes, mas aquela estreia, foi inesquecível. Primeira vez que vi esquilos correndo de canteiro a outro. Primeira vez que vi cisnes que pareciam saídos do ballet homônimo – a nadar na minha frente, sob aqueles raios brilhantes, mas frios, do Sol.  Primeira vez que me sentei num banco de madeira, sob árvore cuja palheta de cores parecia escorrida da prancheta de Van Gogh. 

Lembro da minha alegria e emoção ao ser introduzida no mundo mágico de Jane Austen, Shakespeare, Churchill, Elizabeth II, Colin Firth, Dickens, Chaplin, Orwell, Hawkins, algum dos Beatles, algum dos Fiennes.  Pensava comigo: algum dia estiveram andando por este mesmo lugar? Viram essa cena?  Ficaram também emocionados? Sentiram-se também privilegiados? É. Algumas das primeiras vezes que acontecem na nossa vida, a gente nunca esquece... E foi a primeira vez que vi – e reconheci - cenários de filmes, vistos alguns e milhares de outros que veria depois, ao vivo e cores.

Estava perto, fui andar pelo Mall – a avenida por onde as carruagens dos reis e as tropas desfilam; fiquei frente ao Buckingham e vi a troca da guarda. Turistas era raros. Brasileiros, quase seres de outro planeta.

No Brasil, as mudanças de costumes eram incipientes, mas pela Europa já haviam se instalado. Londres, Amsterdã e Paris despontavam como exponentes de moda, modismos e costumes.  Era época de absoluta abertura de perspectivas, de alucinógenos dos quais se ouvia falar muito bem, muito mal. Era pós-auge de Mary Quant, ainda se usava minis, todavia midis e longas imperavam. Olhos muito pintados, sombras e rímel, a maquiagem. Despedida dos anos 70, plenos 80. Cenário psicodélico de grandes descobertas.

Andei muito. De repente, estava na Carnaby Street. Lembro-me de ter aberto os olhos e acordado noutro mundo. Senti-me, nesse momento, Lúcia Helena no país das maravilhas...

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