NOSSAS LETRAS

Algemas de seda

Impactada fiquei com a leitura do livro Modernidade Líquida, de Zygmunt Bauman. Leia o artigo de Jane Mahalem.

Por Jane Mahalem | 08/07/2023 | Tempo de leitura: 4 min
Especial para o GCN

Impactada fiquei com a leitura do livro Modernidade Líquida, de Zygmunt Bauman.

Descobrir que aquilo que falamos todos os dias sobre a rapidez do tempo e das coisas tem um fundamento sociológico, analisado com perfeição e profundidade pelo autor, fez-me abrir a visão e, por isso, resolvi falar um pouco sobre o que aprendi com esse polonês, sociólogo, nosso contemporâneo.

Eu me inscrevi no Clube do Livro de Leandro Karnal e Gabriela Prioli com o intuito de ler 10 livros por ano, mas não os livros escolhidos por mim e sim, os indicados por eles. Queria ver como funcionaria esse desafio, pois sempre fui uma leitora assídua, pautada pelas minhas escolhas e indicações de quem eu considerava digno de credibilidade. Hoje, ao entrar em uma livraria, não escolheria alguns dos livros indicados, mas não por não querer, simplesmente por desconhecer. E essa foi minha grande descoberta.

Já ouvira falar em Bauman e nesse seu mundo líquido, mas apenas superficialmente. Nunca procurei pesquisar ou conhecer melhor. Não é uma leitura fácil, pois sua linguagem sociológica e suas diversas citações de autores por mim desconhecidos, entravavam, muitas vezes, a fluidez, obrigando-me a reler duas ou três vezes o mesmo parágrafo. Mas, persisti e fui presenteada com a sua incrível visão sobre a nossa sociedade atual. Bauman (1925-2017) é considerado um dos maiores intelectuais do século XXI. Quando completou seus setenta anos, época da vida que muitos já querem se retirar do cenário de trabalho, ele que já havia publicado muitas obras, pois era professor universitário na Inglaterra, resolveu examinar a transição daquilo que ele chamou de modernidade sólida para a modernidade líquida. E foi justamente esse seu trabalho, após os 70 anos, que o levou ao sucesso, sendo sua obra reconhecida mundialmente.

Sua análise foi encontrar, em cada aspecto da sociedade, uma transformação significativa, mais dinâmica, mais leve e que estava presente em todos os setores. Os relacionamentos mais breves, o trabalho não mais se prende a apenas uma empresa ou lugar e as relações e acontecimentos passam a ser feitos para durar pouco, portanto são rápidos e estão em constante estado de mudança, ou seja, como os líquidos, não têm uma forma pré-determinada e não conservam cada forma por muito tempo. Essa sociedade passa ser marcada pela volatilidade e pela fluidez. O individualismo prevalece, pois essa nova modernidade é mais emancipada e ligada aos seus próprios desejos e sonhos. Enquanto na modernidade sólida, o jovem sabia qual seria a carreira promissora a escolher, hoje a multiplicidade de escolhas e as profissões que se dissolvem no ar não apresentam nenhuma segurança. O profissional que entrava em uma empresa logo no início de sua vida profissional, provavelmente, acabaria naquela empresa até o final de sua vida. Não há mais esse projeto de vida para ninguém. Os casamentos eram instituições sólidas, ainda que na maioria das vezes indesejáveis, mas cumpriam seu papel de perdurarem. E enquanto tínhamos produtores e consumidores, hoje temos apenas consumidores porque tudo passou a ser uma mercadoria, inclusive, todos nós temos que nos tornar uma mercadoria vendável. E não há como fugir.

Porém esse novo comportamento não garantiu felicidade ou satisfação, pois a busca é constante e não é opcional. Seria quase como um rio em constante corrente, sem consistência, um líquido que vai se amoldando a cada situação, e continua sempre, buscando novas formas. E por tudo se tornar rápido e passageiro, a busca pelas realizações é contínua e infindável, trazendo consigo a insegurança, o medo e as incertezas passam a ser as personagens principais.

Há muito que se falar sobre Bauman. Sei que muitos de vocês já o leram, já que seus livros são best-sellers e seu nome está em quase todas as prateleiras dos bons leitores. Para mim, foi uma preciosa descoberta. Há muita leitura a ser feita ainda sobre essa modernidade líquida tão bem dissecada pelo autor.

Essa angústia que vinha apertando nosso peito, sem explicação, Bauman nos mostra que não é opcional, pois não tem ponto de chegada. E foi justamente esse nódulo de tensão que o autor soube encontrar e nos dizer que todos nós estamos imersos na liquidez inconstante, presos numa algema de seda, da qual gostamos, já que a sociedade de consumidores fica cada dia mais feliz em consumir, pois é esse o único refúgio dessa modernidade líquida.

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