NOSSAS LETRAS

Sobre a Poesia e o Poepsi

Forma de expressão literária que surgiu simultaneamente com a Música, a Dança e o Teatro, a Poesia resiste neste milênio... Leia o artigo de Sonia Machiavelli.

Por Sonia Machiavelli | 01/07/2023 | Tempo de leitura: 4 min
Especial para o GCN

Integrantes do Poepsi: Josiane Barbosa, Fátima Cassis, Débora Mellem, Ana Regina Caldeira, Maria José Bottino, Sônia Godoy e Ana Márcia Rodrigues
Integrantes do Poepsi: Josiane Barbosa, Fátima Cassis, Débora Mellem, Ana Regina Caldeira, Maria José Bottino, Sônia Godoy e Ana Márcia Rodrigues

Forma de expressão literária que surgiu simultaneamente com a Música, a Dança e o Teatro, a Poesia resiste neste milênio marcado pelas dissonâncias. Mas quando é que, de fato, houve completa harmonia no mundo?

Desde que nasceu como narrativa dos primeiros caçadores que usavam palavras e gestos para descrever o desafio de buscar comida, ou dos guerreiros que recontavam batalhas com um vocabulário ainda exíguo, a Poesia oral ou escrita busca comunicar a outros humanos algo cujo teor passa pelo crivo das emoções do autor e é traduzido por palavras organizadas em ritmo peculiar, ditado pelo coração. Por isso costuma-se dizer acertadamente que Poesia não é para entender, é para sentir e incorporar.

No berço onde ela nasceu, nasceram também a religião, a magia e o mito, já que o sobrenatural emergia das tarefas necessárias à sobrevivência e era a força das cerimônias tribais de raiz fetichista. Num ensaio quase esquecido, o londrino Frances Bacon escreveu no século XVII que “sempre se admitiu que a poesia participava do divino porque ela eleva e arma o espírito, submetendo a aparência das coisas aos desejos da alma, enquanto a razão constrange e submete o espírito à natureza das coisas.”

Por longo tempo a coexistência dos gêneros se impôs, até que filósofos, atentando para a singularidade da expressão poética, preocuparam-se em deslindar a Poesia das outras manifestações, as quais, por sua vez, também buscavam autonomia. Mas, até hoje, e desde Platão, há discussões sobre a essência da Poesia, especialmente a que tem como suporte a palavra. O que ela é, afinal?

Fui ao meu caderninho de anotações, cujo uso me define na linha do tempo. Relembrei que para o francês Charles Ramuz, “a Poesia não está nos pensamentos, nem nas coisas, nem nas palavras; ela não é nem filosofia, nem descrição, nem eloquência: ela é inflexão.” O português Fernando Pessoa escreveu que “toda poesia reflete o que a alma não tem” Já o alemão Martin Heidegger usou imagem potente à guisa de definição: “Entre o pensamento e a poesia há um parentesco porque ambos usam o serviço da linguagem e progridem com ela. Contudo, entre os dois, persiste ao mesmo tempo um abismo profundo, pois moram em cumes separados”. 

Como se pode perceber, a tentativa de definir resta sempre incompleta. De minha parte, elejo como bastante expressivo o conceito da sul-africana Nadine Gordimer, Nobel de Literatura 1991: “A poesia é ao mesmo tempo um esconderijo e um alto-falante.” E foi assim, elegendo poemas-esconderijos e os traduzindo em alto-falantes que as integrantes do Poepsi movimentaram no sábado, 17, o público que foi ouvi-las e com elas conversar.  Os presentes puderam partilhar opiniões e visões de mundo a partir de Carlos Drummond de Andrade, Manoel de Barros e Ferreira Gullar, três nomes modernistas de grande envergadura na literatura brasileira. 

A psicanalista Débora Mellem analisou sete extratos de conhecidos poemas de CDA, todos representativos de suas quatro fases, da poesia do cotidiano à social, passando pela metafísica e metalinguagem. 

Fátima Cassis apresentou Manoel de Barros sob forma poética, e assim procedendo nos fez lembrar do modernista que defendia a poesia como “uma voz de fazer nascimentos.”

Ana Márcia Rodrigues discorreu sobre Ferreira Gullar, sua temática existencialista e a busca pela identidade, ambas refletidas na passagem do tempo em Poema Sujo, escrito no Chile, no contexto da ditadura militar e da repressão no Brasil.

Depois, Maria José Bottino, professora de Literatura, sintetizou características dos poetas num comentário claro, preciso e inspirador. Acho que posso dizer que todos saímos do auditório onde ocorreu o encontro com mais ânimo para o enfrentamento da vida e mais admiração pela poesia dos autores, antenados com a realidade dura, mas capazes de, pela via estética, transfigurá-la em beleza e força.

Poepsi é sigla para Polo de Estudos Psicanalíticos, sendo formado pelas psicanalistas Ana Márcia V. P. Rodrigues, Ana Regina Caldeira, Débora Mellem, Fátima Cassis, Josiane Barbosa e Sonia Godoy, vinculadas à SBPRP.  Há mais de dez anos acompanho também outros dois eventos afins - Cinema & Psicanálise e Cinema & Literatura - e os três têm sido até aqui valiosos para mim no sentido de oferecerem oportunidades cada vez mais amplas de conhecer o mundo, os seres humanos, a mim mesma. Defendo o pressuposto de que a primeira virtude da poesia tanto para o poeta como para o leitor é a revelação, a consciência do ser.

No segundo semestre teremos mais uma dessas reuniões que fertilizam a alma da gente. Será a vez de entrarmos em contato com a voz de três poetas (eu me recuso a escrever poetisas) brasileiras renomadas.  Aguardem.

Post Scriptum 

1. “Nós não lemos e escrevemos poesia porque é bonito; nós lemos e escrevemos poesia porque pertencemos à raça humana e a raça humana está cheia de paixão..."

Fala do professor no filme Sociedade dos Poetas Mortos

***

2. “Onde quer que eu chegue, um poeta chegou antes de mim.”

Sigmund Freud, pai da psicanálise.

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