OPINIÃO

Crescimento

'Nunca esperei a justiça divina. Sempre me antecipei a ela. Fui sempre metendo os pés pelas mãos nas encrencas que a vida sobejamente me ofertou.' Leia o artigo de Lúcia Brigagão.

Por Lúcia Brigagão | 21/05/2023 | Tempo de leitura: 3 min
especial para o GCN

Já tive bons e sérios problemas de adaptação não apenas ao mundo, como a seus excêntricos habitantes. Levada por lógica que me obrigava a contrariar a corrente da mesmice, muitas vezes me dei bem, outras (muitas mais) me dei mal. Quando criança fui exemplarmente punida porque poucas vezes aceitei aquele refrão bastante repetido do "um dia você entende". Nunca entenderam (pais e professores) que um dia estava muito longe para mim, muito distante da urgência que sempre me caracterizou. A bem da verdade, nunca soube esperar. Não gerei um filho dentro do prazo convencional, ditado pela natureza. Não fui capaz de comer fria a vingança contra alguém que tivesse me importunado. Bem que tentei. Nunca esperei a justiça divina. Sempre me antecipei a ela.  Fui sempre metendo os pés pelas mãos nas encrencas que a vida sobejamente me ofertou. Fui, ou consegui, ressarcir certas posições mais arrojadas, ranços de infância, nas lides enquanto mãe.

Lembrei-me agora de uma bobagem, de certa vez ter questionado minha mãe na infância sobre "roupas de domingo" e roupas de "durante a semana". Ela me respondeu que as coisas eram assim e pronto. Vim com a dúvida e a insatisfação por muitos anos. Certo dia,  decidi: meus filhos não teriam que viver, ou obedecer tais exigências. Roupas seriam compradas no tamanho exato porque quando as levava "maiores para servirem durante mais tempo", quando serviam mesmo, já estavam surradas e batidas: meninos e meninas crescem feito abóbora. Guardava um conjunto para cada um, para alguma emergência e o resto eles "batiam" mesmo. Percebo que de certa forma, neste caso e em outros mais sérios, aprendi a conciliar os ensinamentos maternos com certa ousadia e algumas inovações. Acho que comecei a crescer a partir desta aprendizagem.

Morria, ainda morro de inveja de quem tem paciência, de quem consegue refrear sua voracidade, de quem dribla a ansiedade. Estou aprendendo, ao longo do tempo, a administrar todas essas emoções, a conviver com elas, mas não as eliminei completamente. Nem sei se quero. Acho que não seria a mesma pessoa se conseguisse ficar calminha, tranqüilinha, satisfeitinha. Fiquei pensando nesse assunto, porque volta e meia me surpreende a abordagem de mulheres da minha geração para manifestar admiração porque me consideram "pessoa segura, decidida e muito bem resolvida". Mulheres mais jovens me olham com certa inveja porque me vêem também exatamente assim. Pois é. Enxergam a pinga que tomo, não presenciam os tombos que levo...  Pareço mesmo. Criei em torno de mim aura de progresso e perfeição, ausência total de qualquer frustração, talvez para não contrariar a opinião alheia. Eu mesma, aquela que se julgava acima destas coisas.

Só eu sei o quanto tem sido difícil admitir que estou em pleno processo de aprendizagem e crescimento, que ainda não aprendi. Que estou caminhando, ainda não cheguei. Que estou buscando, às vezes nem sei o quê. Que muitas vezes percebo, mas não quero enxergar. Que eu não "tenho que" nada. Que eu sou dona da minha vida. Que sou a única responsável pela minha felicidade. Que eu sou dona de mim, de ninguém mais. Que não estou pronta. Que eu posso morrer hoje. E que morrerei inacabada...

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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