ENTREVISTA

‘O enfrentamento da covid foi o momento mais difícil da minha atuação como médico’

Depois de 29 anos como servidor público, sendo 19 anos à frente da Vigilância Epidemiológica, o pediatra se despede da Secretaria de Saúde da Prefeitura de Franca.

Por N. Fradique | 21/05/2023 | Tempo de leitura: 4 min
da Redação

Arquivo pessoal

“Fica a sensação de dever cumprido da minha parte”, diz Dr. Homero Rosa
“Fica a sensação de dever cumprido da minha parte”, diz Dr. Homero Rosa

O médico Homero Antônio Rosa Júnior, 58 anos, natural de Delfinópolis, fecha um ciclo em sua vida. Depois de 29 anos como servidor público, sendo 19 anos dedicados à Vigilância Epidemiológica, o pediatra se despede da Secretaria de Saúde da Prefeitura de Franca.

O infectologista aderiu ao Programa de Demissão Voluntária da Prefeitura no começo deste mês e irá se dedicar ao atendimento no consultório e à docência. Ele conta que o PDV é um programa justo onde todas as partes são beneficiadas e, ainda, abre vagas para jovens ingressarem no serviço público municipal e fazerem carreira pública. Homero, que já lidou com inúmeras situações ao longo de sua carreira, não esconde que o enfrentamento da covid foi seu maior desafio.

GCN/Sampi - Como foi esse período dedicado ao serviço público e conciliar a carreira particular?
Dr. Homero -
Nesse longo período de trabalho tive que conciliar minhas cargas horárias da prefeitura com consultório particular e plantões médicos (quase sempre em finais de semana e noturnos), ainda atuando no consultório atendendo consultas após as 16 horas e finalizando o trabalho após às 19/20 horas de segunda a sexta-feira. Porém, a consultoria para os problemas envolvendo a Vigilância Epidemiológica Municipal não se limitava ao horário comercial, com muita frequência era contactado aos finais de semana e à noite.

GCN/Sampi - A pandemia da covid foi o maior desafio para o Senhor?
Dr. Homero -
Pela Vigilância Epidemiológica Municipal dentre inúmeras situações de controle de doenças já havíamos enfrentado diversos surtos e epidemias, inclusive o episódio em 2017 de Caxumba nos universitários incluindo a recomendação expressa de fazer no curso de Direito da Facef um lockdown, que quebrou totalmente a transmissão da doença que ocorria mesmo após a vacinação ampla realizada, também tivemos duas outras pandemias, a de Influenza H1N1 em 2009 e a da Zika em 2017. Já o enfrentamento da pandemia do covid foi o mais difícil momento da minha atuação como médico da vigilância epidemiológica, pois estávamos aguardando a chegada de um micro-organismo devastador, totalmente desconhecido pela humanidade, com potencial de causar danos graves ou letais em qualquer órgão das pessoas, com uma altíssima transmissão, sem medicamentos ou vacinas (vieram após 10 meses do início da pandemia), sem paradigmas de comparação com outras graves epidemias mundiais, nenhum protocolo conhecido de conduta médica para se basear no início, e que já tinha provocado milhares de mortes mundo afora. Junto com toda essa situação sabíamos que teríamos que lidar com vários obstáculos para a melhor condução do enfrentamento, que incluía a dificuldade em termos equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde, testes covid, leitos de enfermaria e de UTI específicos, dificuldade de verbas e de apoio político, dificuldade que as informações técnicas corretas chegassem à população, políticos atrapalhando a boa condução dos técnicos da área de saúde, dentre outros obstáculos.

GCN/Sampi - O que ficou de lição sobre essa pandemia?
Dr. Homero - Hoje enfrentar outra epidemia grave como essa se torna uma tarefa protocolar, muito mais facilitada, antes lutamos para sobrevivermos. Não tenho dúvidas de que a formação em março de 2020 do Comitê Municipal de Enfrentamento da Pandemia foi o fator decisório e efetivo do controle da situação em Franca, pois nas reuniões semanais que perduraram por muitos meses discutíamos pontualmente tudo o que ocorria na cidade, fizemos protocolos de conduta e segurança próprios para todas as atividades da cidade, atuamos de maneira muito profissional e técnica com muito envolvimento de todos os membros. Essa situação foi reconhecida através dos levantamentos dos municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, Franca sempre esteve no primeiro ou segundo lugar no estado de São Paulo de menor número de óbitos de covid em percentual populacional, e entre os 10 municípios com melhor desempenho no mesmo quesito a nível nacional.

GCN/Sampi - No auge da pandemia, no meio do ano de 2021, como foi decidir pelo lockdown na cidade?
Dr. Homero - A decisão de recomendação expressa ao prefeito municipal de efetuar o lockdown total da cidade foi totalmente técnica baseada no descontrole da assistência aos casos graves que necessitavam de leitos hospitalares e naquele momento o caos instalado pela falta de leitos hospitalares, verbas públicas, equipes de profissionais da saúde, medicamentos e equipamentos, foi decisório e eficiente, uma vez que os números demonstraram de imediato a eficácia da limitação de contato da população trazendo um fôlego aos sistemas de saúde para conseguir absorver todos os doentes graves.

GCN/Sampi - O último levantamento registra 1.253 mortes e 95.380 casos confirmados em Franca. Esse número poderia ser menor?
Dr. Homero -
Na condução de enfrentamento de uma epidemia dessa magnitude e gravidade se não houvesse obstáculos desnecessários como fake news, intromissão de políticos, falta de verbas públicas, o governo estadual da época desprestigiando nosso município e outras situações, provavelmente teríamos menos casos graves e óbitos, desde que a condução fosse feita exclusivamente pelos técnicos da saúde e com apoio irrestrito das autoridades e das outras instituições.

GCN/Sampi – Como fica sua carreira daqui para frente?
Dr. Homero -
Como a coordenação do controle da pandemia foi muito exaustivo para mim, aliado a outras perspectivas profissionais e familiares, optei pelo desligamento do serviço público, dando prioridade ao meu consultório particular e a docência nas duas faculdades de medicina da cidade. Fica a sensação de dever cumprido da minha parte, desejando que o serviço de vigilância epidemiológica municipal siga sempre auxiliando o município como tem sido.

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4 COMENTÁRIOS

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  • MARIA
    22/05/2023
    Deixo aqui todo meu respeito a esse profissional exemplar!! tenho a sorte de ter ele como pediatra dos meus filhos, e só tenho a agradecer!! Espero que a secretaria encontre alguém a altura dele! Obrigada Dr. Homero por todos os anos dedicados a saúde publica!
  • LUIS
    21/05/2023
    EU NÃO CONHEÇO O DR. HOMERO PESSOALMENTE, MAS DEIXO COMO CIDADÃO DE FRANCA UM ENORME ABRAÇO AO SR, POR TUDO QUE FEZ A FRANCA, INCLUSIVE NUMA PANDEMIA EM QUE PEGOU TODOS DE SURPRESA E SEM O APOIO DAS AUTORIDADES QUE MAIS PRECISAVAM AJUDAR A VCS.QUE DEUS O ABENÇOE MUITO DR. NESSA SEQUENCIA DE TRABALHO, COM GARRA E AFINCO
  • Tadeu Siqueira
    21/05/2023
    O país enfrentou um outro vírus que, aliado de primeira hora com o Corona, co tributos para a morte de dezenas, talvez centenas, de milhares de vida. Falo do vírus Bozo, que disseminava informações falsas, disseminava negacionismo do perigo, disseminava uso de remédios inócuos para Covid-19, disseminava ódio, mentiras, fake news, sem falar de golpismo, apologia à torturadores, um vírus que nasceu e florece nos esgotos milicianos do RJ, rachadinhas, joias contrabandeadas, genocídio de povos originários, devastação da Amazônia, tentativa de golpe eleitoral no Nordeste, aglomeração em tempo de pandemia...Um dia a história nacional vai contar sobre um flagelo humano que se abateu sobre o Brasil.
  • José Roberto
    21/05/2023
    Ou seja, se não fosse as fake news mais pessoas poderiam ter sobrevivido na cidade.Mas, o bolsofascismo com as fake news fez um verdadeiro genocídio indireto...