NOSSAS LETRAS

As plantas não falam, mas choram

Assim, se é verdadeiro que as rosas não são capazes de falar, por outro lado choram quando estão estressadas. Ou melhor, elas gritam. Leia o artigo de Sonia Machiavelli.

Por Sonia Machiavelli | 29/04/2023 | Tempo de leitura: 4 min
Especial para o GCN

“Queixo-me às rosas/ Que bobagem!/ As rosas não falam// Simplesmente as rosas exalam/ O perfume que roubam de ti”, escreveu em 1976 o compositor carioca Cartola, depois de se inspirar na pergunta da mulher, dona Zica, aborrecida com o fato de suas roseiras não produzirem mais flores como antes. A resposta do poeta, de início coloquial e objetiva, foi reelaborada liricamente naqueles recantos misteriosos da gênese literária e se transformou num clássico do nosso cancioneiro, gravado por dezenas de intérpretes.

“Choram as rosas/Seu perfume agora/ se transforma em lágrimas//Eu me sinto tão perdido, /Choram as rosas/Chora minha alma”, são versos da canção gravada em 2005 por Bruno e Marrone e um de seus maiores sucessos. Embora lhes seja geralmente atribuída a autoria, a versão original é de Cristian Castro, cantor e ator mexicano, que a tinha gravado no ano anterior: “Lloran las rosas/El rocío ya se ha convertido/ en lágrimas/ Te me has ido,/ te he perdido/ Lloran las rosas”

“Os artistas são antenas da raça”, escreveu Ezra Pound. A frase ficou conhecida pelo sentido profético: artistas seriam antecipadores de fatos. Esta ideia me atrai, especialmente na literatura, onde podemos encontrar obras que por caminhos sutis acenam para algo ainda não-sabido. Assim, se é verdadeiro que as rosas não são capazes de falar, por outro lado choram quando estão estressadas. Ou melhor, elas gritam. Não só as rosas, também milhões de espécies vegetais que ocupam a maior parte da superfície do nosso planeta.

Se estou sonhando? Fiquei maluca? Meu gosto pelas plantas perturbou meu juízo? Não, senhoras e senhores. Todos nós que mantemos contato com o maravilhoso mundo verde já notamos, empiricamente, que as espécies, quando não tratadas de acordo com suas necessidades, acusam o fato e mostram danos na sua aparência. Na semana passada, esqueci de aguar um vaso de lírios-da-paz, presente do querido Liliko e que mantenho há meses num lugar apropriado, pois eles gostam de sombra. Esqueci de molhar o vaso por dois dias; no terceiro, ao olhar na direção dele me assustei, pois a planta parecia ter morrido, todas as hastes e suas folhas estavam derrubadas. Socorri-a mergulhando-a numa bacia de água fresca e, duas horas depois, ela tinha ressuscitado. Se eu tivesse um hiper microfone, como o criado por cientistas da Universidade de Telaviv, talvez ele tivesse gravado seu choro. Pesquisadores israelenses colocaram microfones especiais em pés de tomates, tabaco e outros, numa experiência cujos resultados deixaram surpresos os leitores da revista científica Cell, que publicou a pesquisa no começo deste abril.

As plantas são capazes de emitir sons quando estressadas, provaram os cientistas. Enquanto espécies bem cuidadas produzem apenas um som por hora, aquelas a que faltou rega, ou que sofreram cortes recentes em seu caule, emitem cerca de 35 sons no mesmo período. Se humanos não conseguem ouvi-las, é porque os sons são medidos entre 20 a 100 kilohertz. Ou seja, são agudos demais para nossos ouvidos, mas não para os de morcegos, ratos, mariposas e outros. Estes podem escutar o “choro” das plantas e vivem em mundo onde elas praticamente falam. Essa mesma equipe de estudos, anteriormente já havia descoberto que há espécies vegetais que conseguem até mesmo responder aos animais

Uma participante da equipe, a botânica Hadany, conta que quando o som acelera ou desacelera é possível perceber cliques curtos, quase como milho pipocando. As espécies com caules recém-cortados ou que estavam sem a rega correta foram as que mais emitiram sons, demonstrando claro desagrado, assim como uma queixa.

O responsável pelo fenômeno é o xilema, verbete que faz parte do léxico da anatomia botânica. Trata-se de “tecido vascular vegetal formado por elementos condutores de água, células de parênquima e outros tipos de células, especialmente as de sustentação. O xilema distingue-se em primário e secundário, e está associado ao floema, formando um sistema contínuo que percorre toda a planta.” Ou seja, é um tubo que transporta água e nutrientes da raiz até as folhas e flores, como no corpo humano atua o sangue no sistema circulatório. Na ausência de água e outros nutrientes, bolhas de ar se formam ou estouram dentro do xilema, acontecendo um pequeno clique. Nenhum mistério nesses soluços.

Pensando no meu lírio-da-paz moribundo que ressuscitou ao ser socorrido, ouso imaginar que as criaturas do reino vegetal têm similaridades com as do nosso. Humanos, dependemos de muitos cuidados para nos mantermos sustentados. Precisamos de diferentes espécies de águas que possam nos reidratar e animar, nos momentos onde a secura ou as violências ameaçam nossa vida.

Post Scriptum
Na foto que ilustra o texto, o Sr. Hermínio Quirino dos Santos, jardineiro de muita experiência e sensibilidade, que entende como poucos a linguagem das plantas. 

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