OPINIÃO

Felicidade

Manhã fria de junho, casa dos avós. Casal sentado à mesa, pãozinho quente, café, manteiga e jornal nas mãos. Leia a crônica de Lúcia Brigagão.

Por Lúcia Brigagão | 23/04/2023 | Tempo de leitura: 3 min
Especial para o GCN

Manhã fria de junho, casa dos avós. Casal sentado à mesa, pãozinho quente, café, manteiga e jornal nas mãos. O homem comenta, dirigindo-se à mulher. “O Cirque du Soleil voltará final de setembro a São Paulo. Será que os meninos nos emprestam as meninas, para a gente ir vê-lo?” Por meninos, entenda-se dois filhos, com mais de trinta, e respectivas esposas; por meninas, três netas: Luísa, dez anos, Clara e Maria Fernanda, de sete. Embora já fossem quatro netas, a mais nova delas, Marina - três anos - não tinha autonomia para viagens longas: seu aval cobria apenas distâncias inferiores a cinco quilômetros.

Decidem postergar a consulta de permissão para o passeio com as netas aos filhos e noras, para quando a data do espetáculo estiver no limite, mas compram os ingressos e os guardam. Consideram joias os bilhetes; preciosidade, o momento em que viajarão sozinhos, pela primeira vez, com as três meninas - se os pais permitirem. No meio de setembro, frio na barriga. Chegou o dia da consulta. Para surpresa de ambos, foi mais fácil que imaginavam. Pesou um bocado no consentimento, a notícia da inclusão do jovem tio, na equipe de segurança dos três tesouros.

Fim do mês, manhã de sábado, hora da partida da excursão. Tácito desafio a qualquer manual de logística: primeiro deviam acomodar bagagens no porta-malas. Três meninas nem tão grandes assim. Três malas de tamanho médio; oito saquinhos de TNT com etiquetas especificando os conteúdos: “roupas íntimas”, nécessaire, remédios; três sacolas com cinco pares de sapatos cada e dois pares de botas soltos, que não couberam nas sacolas: importantíssimos, precisavam ir. Travesseiros, cobertores. Livros e revistas. Barbies e acessórios. O aparelho de inalação, bolsinha com dinheiro. Bolsinhas de mão com celular. Sacolinha com roupas do avô, sacolinha com troquinha de roupas da avó. Qual princesas, acomodaram-se no banco de trás, bem sentadas e cintadas. O avô ganhou espaço suficiente para as longas pernas; celular, carteira, moedas, caixa de óculos no box ao lado do banco. A avó acomodou no piso, ao lado do tornozelo direito, a geladeirinha com caçulinhas, coquinhas, suquinhos e água de coco. Equilibrando-se sobre a caixa, cesta com sanduíches, biscoitos de polvilho, rosquinhas, sequilhos e recipiente térmico com bananas, uvas e peras. Pacote de guardanapos. Pegou sua bolsa de mão: “Precisa mesmo dela?” ainda teve que ouvir. Contrariando conteúdo e continência, a bolsa foi sob o banco. Um custo tirá-la a cada parada. Documentos das meninas! No último minuto, lembraram dos filmes sossega-leão. Pegaram-nos. E foram embora. Tudo isso para voltar no dia seguinte.

Pararam várias vezes: xixis de meninas não são sincronizados. Na viagem, Luísa, a mais velha, quieta, ensimesmou-se nos meandros dos pensamentos que só meninas de dez anos possuem. Clara e Maria Fernanda, falaram o tempo todo. De repente, Clara riu bem alto, gargalhada que só meninas de sete anos sabem dar: “O que é? pergunta a avó”. “Nada, não vovó. É só felicidade.” Maria Fernanda questiona o filme que assistem: é chato, quer trocar. Mas ela o escolhera – as duas chiam. Emburra. Dali a pouco, quando as outras conversam baixinho e decidem atendê-la, ela diz: “Tá bom, tá bom, mas quando terminar a gente põe esse aqui, tá?” Tá bom, as outras concordam. Futuramente poderão ser chamadas para resolver a briga entre Israel, Palestina e Jordânia.

Tinha esquecido como é bom ter criança no colo, durante espetáculo circense fazendo perguntas sobre o palhaço, o trapezista e o mágico. Nem me lembrava mais da delícia que é abraçar e proteger criança que fecha os olhos com medo do malabarista despencar e esconde o rosto no pescoço da gente. Não sabia que ainda corria tão depressa para levar ao banheiro criança que se diz “apertadíssima” e ameaça “não vai dar tempo”. Estou de molho e exausta. Se gargalhar bem alto, sem mais nem menos, pedi aos familiares que não se impressionem. É só felicidade.

(A foto e o texto são de abril de 2011. Dia 28 de abril próximo Luísa, que se graduou este ano pela ESPM, completa 22 anos. Clara, estudante de psicologia, está com 20 e Maria Fernanda, 19, acabou de entrou na faculdade de arquitetura. Só felicidade...)

Lúcia Helena Maniglia Brigagão é publicitária e escritora.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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