NOSSAS LETRAS

Disse Lucifer

Volver ao barro o vaso quebrado não é o mesmo que restituir viva a carne espezinhada aos ossos. Leia o artigo de Baltazar Gonçalves.

Por Baltazar Gonçalves | 01/04/2023 | Tempo de leitura: 2 min
Especial para o GCN

Disse Lúcifer: ordenastes “vai Lúcifer e desvirtua a humanidade”, mas encontramos apenas cinzas onde apontáveis retidão. Volver ao barro o vaso quebrado não é o mesmo que restituir viva a carne espezinhada aos ossos, fazer de Jó novo homem naquele jogo sádico era questão de tempo saber qual de nós dois riria primeiro. Por fim, nem virtude ou retidão; se vossa vontade era dobrar as perdas do desgraçado atiçando nele orgulho e vaidade, melhor que a danação do último santo fosse completa. Agora vindes pedir-me auxílio, depois de tanto. Eu já disse que não há em nenhum dos mundos essa gente que valha a nossa queda outra vez. Se para vossa obra olhastes e não suportastes, respondei porque vosso anjo haveria de rondar a terra de novo para tão somente encontrar a iniquidade nela? Encarnai vós, e senti; ou permiti-me caso encontreis tais sonhadores a completa erradicação deles concluir. É fato que em qualquer tempo na História seja possível remendar a mentira contando verdade nova, basta costurar na dúvida o germe da esperança para que o show da vossa criação continue. Como, o que dissestes? Vede bem, não é isso. Tranquilizai-vos, vossas mãos continuarão limpas. Quanto a mim, aprendi a voar com as asas quebradas e não será o caso se encontrar alguma humanidade tocar os corpos já corrompidos. Ganho quanto mais engano. Importa-me - anotai isto nesse contrato escuso - manter a alma seduzida presa no sonho e garantir que o sonhador me faça companhia eterna nos simulacros. Tomar na ilusão vosso lugar de faquir suspenso? Não pretendo! Oxalá soubesse vossos desígnios... Se os soubesse, o que eu faria? Só sei que é do mais alto que tudo rui: vidas sitiadas, cidadelas. Caso eu soubesse vossos desígnios faria romper o dique que atravanca o caminho dos homens e inundaria as margens da alegria até que tudo se acalmasse no caos das paixões sem forma ou face desfigurada. Então, respondeu o criador:

Baltazar Gonçalves

Poema publicado originalmente no meu livro “Depois Eu Conta: Diários dos Miseráveis”, pela Editora Penalux.

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