NOSSAS LETRAS

O Paço do Frevo

O Carnaval, maior festa popular do Brasil e do mundo, são vários. Leia a crônica de Sonia Machiavelli.

Por Sonia Machiavelli | 18/02/2023 | Tempo de leitura: 5 min
Especial para o GCN

O Carnaval, maior festa popular do Brasil e do mundo, são vários.

No Rio ele é o desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, cada uma mostrando sua ópera a céu aberto, com enredos polifônicos e polimorfos. Por três noites o público aplaude, elegendo as preferidas- que podem coincidir ou não com a opinião da maioria do júri oficial que dará suas notas na quarta-feira de Cinzas.

 São Paulo vem imitando o Rio há três décadas. Com menor magnificência, mas se aprimorando com os anos, o carnaval paulista também é apaixonante e as torcidas tomam partido nas arquibancadas do sambódromo. Numa e noutra metrópole, os sambas-enredo costumam remeter à nossa história e também abrem alas para a crítica social, uma tendência dominante neste milênio.

Na Bahia, não há desfiles de escolas de samba. O forte da folia é o trio elétrico, dia e noite puxando gente pelas ruas. Milhares de foliões tomados pela euforia pulam atrás dele: só não vai quem já morreu, como diz a marchinha. Artistas se sucedem em cima dos carros e levam seus fãs ao êxtase.

Em Recife/Olinda impera o frevo, o que torna a festa igual na exuberância e animação, mas já diferente na plasticidade, porque esse ritmo faz mesmo o sangue ferver e as sombrinhas tremularem. O frevo é parte da identidade do povo pernambucano, tendo surgido no século XIX, ali mesmo no estado nordestino. Veio de uma mistura de outros ritmos, como o maxixe e a marcha. Já a dança nasceu dos movimentos de defesa da capoeira, e exige habilidade e equilíbrio para os passos mais acrobáticos. Você, leitor, sabia que existem mais de 120 passos catalogados? E que para confirmar a importância do ritmo para Pernambuco e para o mundo, o frevo foi declarado Patrimônio Imaterial da Humanidade em 2012 pela Unesco?

Eu não sabia; aprendi no último janeiro, quando de passagem pelo Recife tive a oportunidade de conhecer o Paço do Frevo. Mais que um museu, ele constitui espaço idealizado por Bia Lessa para ser referência ao símbolo do carnaval pernambucano. Inaugurado em 2014, tem atraído turistas de todos os cantos. Ao assinar o livro de presenças, vi nomes de franceses, espanhóis, italianos, ingleses e orientais.

Situado na Praça do Arsenal de Marinha, no centro histórico do Recife, bairro que por vocação é ponto de encontro da arte e cultura na cidade, o prédio é um lindo casarão do século XIX, onde funcionou até a década de 1970 a sede da empresa Western Telegraph. A construção é uma das mais bonitas da Praça e por ali estão outros museus, como o dos mamulengos, bonecos gigantes que também marcam a folia local. Placa muito antiga atesta que a via ao lado, a Bom Jesus, já foi Rua do Bode (na época dos holandeses), Rua da Cruz, Rua do Comércio. Também foi chamada Rua dos Judeus. É interessante lembrar que a comunidade judaica ali foi importante e só diminuiu depois da fundação do Estado de Israel, em 1948. Olhando a rua, lendo a placa, como não me lembrar de Clarice Lispector e sua Macabeia?

O salão de entrada do Paço do Frevo é apaixonante. Um vermelho intenso, cor de goiaba bem madura, decora as paredes de pé direito alto, e destaca grandes nomes da cultura pernambucana. Ali funciona um café, o Maiakoff, famoso pelo seu bolo de rolo. Atravessando-o, entra-se numa sala com exposição de fotos em preto e branco. O som do frevo invadindo os corredores convida o visitante a percorrê-los. Num deles pode-se empreender mergulho na história do ritmo, da dança e do estado que é seu berço: recortes montados em pequenas revistas convidam ao folhear para descobrir a origem e a riqueza da cultura local. Mais adiante, vídeos, arquivos, palavras soltas, muitas fotos nas paredes coloridas. Uma lousa gigante intima os visitantes a contarem a história de sua relação com o frevo.

Subindo ao primeiro andar, chega-se a uma escola de dança, onde é possível agendar aulas para aprender o básico do frevo. No segundo estão as exposições temporárias, com temas como a sombrinha, elemento indispensável à dança. E se a gente já vem desde o térreo de queixo caído, quando adentra o terceiro andar fica hipnotizada, passeando pelo chão de vidro, admirando sob os próprios pés muitos estandartes dos blocos de rua de novos e antigos carnavais.

Outra experiência maravilhosa foi ler frases e poemas sobre o frevo entre   as grandes janelas abertas, de onde vinha uma luz espetacular; ao mesmo tempo viajar nas palavras ao ver lá fora alguns alunos da escola de dança que, terminada a aula, ensaiavam seus passos na rua, manejando com graça indizível suas sombrinhas. Dentro, começavam a tocar Vassourinhas, frevo-hino do carnaval, criado pelos compositores Mateus Rocha e Joana Batista Ramos em 1909.

O Paço do Frevo é um museu interativo. Crianças adoram. Estavam conosco três meninos que admiraram tudo: exploraram o lugar em 360º, brincaram com   instrumentos musicais, aprenderam até algumas variações do ritmo. Se tivéssemos mais tempo, alguém do nosso grupo teria feito um tutorial de dança, com certeza.

Saí comovida desse lugar brasileiro, retendo na memória um verso de Capiba que li numa das paredes: “O frevo é madeira de lei que o cupim não rói”. E também rindo da expressão de uma jovem, que estava ao meu lado: “Visse, esse lugar é muito instagramável.” Confesso que demorei um pouquinho a entender.

Post Scriptum
1.Desde junho de 2017, o Museu Paço do Frevo pode ser visitado de qualquer lugar do mundo, pois passou a fazer parte da plataforma Google Arts Culture, ao lado de quase mil instituições de todo o planeta.

2. Endereço: Praça do Arsenal da Marinha, sem número. Bairro do Recife, Pernambuco.
Horário de funcionamento: terça a sexta, das 9h às 17h. Sábados e domingos, das 14h às 18h. Fechado às segundas.
Ingressos: R$ 8 (inteira); R$ 4 (meia-entrada). Todas as terças e no último domingo do mês, a entrada é gratuita.
Agendamento de visitas guiadas: agendamento@frevo.org.br / (81)3355-9527.

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