NOSSAS LETRAS

Brasil violento

No dia 8, um domingo, em Brasília, coração administrativo do país, centenas de bárbaros invadiram três prédios icônicos. Leia o artigo de Sonia Machiavelli.

Por Sonia Machiavelli | 04/02/2023 | Tempo de leitura: 4 min
Especial para o GCN

Reprodução/Redes Sociais/Edgar Kanaykõ

Imagens que correram o mundo no primeiro mês deste 2023 fizeram recair sobre o Brasil e no Exterior, ou pelo menos nos países considerados civilizados, uma impressão de violência que só nos apequena e envergonha enquanto defensores de valores democráticos e humanos.

No dia 8, um domingo, em Brasília, coração administrativo do país, centenas de bárbaros invadiram três prédios icônicos localizados na Praça dos Três Poderes, assim denominada exatamente por acolher o Palácio do Planalto, sede do Governo Federal; o Congresso Nacional, onde exercem suas funções representantes do Legislativo; e o Supremo Tribunal de Justiça, a Corte Máxima.

No mundo onde as imagens cada vez falam mais que as palavras, as cenas chegaram rapidamente aos quatro cantos do Brasil e, instantes depois, do mundo. O que significava aquilo? - perguntavam-se espectadores e internautas entre surpresos e atônitos. Eram três da tarde na capital do Brasil. Só por volta das seis a Polícia Federal conseguiu banir dos prédios emblemáticos o que ainda restava daquela turba de insanos. O prejuízo material foi grande. O emocional também. Civilizados viram na ação dantesca uma tentativa de golpe contra governo eleito de forma legítima e cuja posse, ocorrida uma semana antes, vinha sendo contestada sem provas pela oposição.

Desrespeito total à Constituição, a ação demostrou o quanto a Carta Magna precisa ser resguardada dos autoritários e lunáticos que veem num regime de força a solução para todos os males que nos afligem enquanto nação. Os atos também reafirmaram uma doença que continua afetando milhões de brasileiros e se chama fanatismo.

Enquanto as instâncias competentes cuidavam de apurar reponsabilidades para que os agressores fossem punidos, outras imagens começaram a ser exibidas por volta do dia 15. Ou seja, uma semana após o impacto destrutivo contra prédios, a violência contra seres humanos invadiu a televisão, os sites de notícias, toda a internet. “Europa, França e Bahia”, como diria o poeta, viram corpos reduzidos a pele e osso, adultos e crianças morrendo por conta da fome, da sede e da malária. Tudo muito doloroso. E revoltante: aquelas pessoas esquálidas que as telas nos mostravam, morriam sem nenhuma assistência do Estado, que tem a obrigação legal de cuidar dos povos da floresta.

O ex-presidente que saiu do país por não suportar assistir à posse daquele que o venceu nas eleições, teve o desplante de dizer desde Miami, onde busca visto de turista, que nunca investiu tanto nas áreas indígenas. Alimentado talvez pelo seu poder de persuasão junto aos fanáticos, ele mente na cara dura. Mas não engana os que acompanharam o noticiário dos últimos anos, desvelando o crescimento das licenças para desmatamentos e avanço dos garimpeiros em busca de ouro; envenenamento dos rios por mercúrio, impondo sede onde sobejava água fresca e havia fartura de peixes; fuga de animais que por séculos serviram de alimento aos índios. E, tão grave quanto, o desmonte das estruturas responsáveis por vacinação e cuidados com a saúde dos índios, especialmente crianças, gestantes e idosos. Tudo isso somado cai na conta deste que desde a Covid vem sendo chamado de genocida. Em termos processuais, é possível que a acusação pelo comportamento durante a pandemia não vá em frente. Mas, no que diz respeito à tragédia vivida pelos índios, no extremo norte do país, é certeza de que não haverá qualquer atenuante que o livre.

Para os yanomamis, que sempre viveram na Amazônia, “urihi” (a floresta) é uma entidade viva, inserida numa sofisticada dinâmica cosmológica de trocas entre humanos e não humanos e como tal se encontra hoje ameaçada pela predação enlouquecida dos que “deixam a boiada passar”. Davi Kopenawa, extraordinário pensador, humanista e defensor dos índios e da floresta, escreveu:

“A terra-floresta só pode morrer se for destruída pelos brancos. Então, os riachos sumirão, a terra ficará friável, as árvores secarão e as pedras das montanhas racharão com o calor. Os espíritos xapiripê, que moram nas serras e ficam brincando na floresta, acabarão fugindo. Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los para nos proteger. A terra-floresta se tornará seca e vazia. Os xamãs não poderão mais deter as fumaças-epidemias e os seres maléficos que nos adoecem. Assim todos morrerão”. Este texto oferece visão poética nas alusões metafóricas; mas corre o risco de se tornar profético se os que detêm poder não entenderem que passa da hora de agir, pois florestas não são espaços inertes de exploração econômica. Elas fazem parte dos mecanismos da vida humana.

A propósito, a palavra “yanomami”, se traduzida para o português, significa “seres humanos” e se opõe a “yaro” (animais de caça); a “yai” (seres invisíveis e sem nome); a “napë” (inimigo, branco, adversário). Neste janeiro, no Brasil, os “napë” mostraram de quanto sua desumanidade foi capaz até aqui.

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1 COMENTÁRIOS

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  • Barbara
    04/02/2023
    Bárbaros? Ou pessoas desesperadas tentando defender nosso país das mãos de Bandidos e Ex presidiários que foram soltos injustamente por outros bandidos que estão no poder. Devia ter vergonha de escrever tamanha blasfêmia. Nosso País está sendo dirigido por uma Ganges de bandidos e um Analfabeto ex presidiário. Mas papel aceita td