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Espaços de história e arte

As musas eram nove na Grécia Antiga, berço de mitologia tão rica que atravessou séculos e continua inspirando o entendimento do humano. Leia o artigo de Sonia Machiavelli.

Por Sonia Machiavelli | 28/01/2023 | Tempo de leitura: 5 min
Especial para o GCN

As musas eram nove na Grécia Antiga, berço de mitologia tão rica que atravessou séculos e continua inspirando o entendimento do humano, em vasto campo do conhecimento que vai das artes à psicanálise. Calíope era venerada pelos poetas épicos e Érato pelos líricos. Melponeme abençoava os criadores das tragédias e Tália, os da comédia. Os gêneros literários já ali se diferenciavam em estrutura que permanece nas literaturas ocidentais do mundo contemporâneo. Na música, Euterpe inspirava as composições profanas e Polimnia as religiosas. Tersipcore zelava por dançarinos e coreógrafos. Historiadores tinham a proteção de Clio; astrônomos, de Urânia. Moravam todas num único lugar abstrato que depois se tornaria físico: o museu. De início, este abrigou coleção de objetos de propriedade particular. Muito depois, saltando Idade Média e mesmo a Renascença, o conceito mudou. Com a Revolução Francesa a ideia de museu para todos se instaurou como legado para a humanidade. Assim os temos hoje, em todo o mundo.

No Brasil, cada vez mais, e em com especial ênfase nos últimos anos, a maioria deles tem sido desconsiderada pelo poder público. De forma que encontrar um museu brasileiro bem cuidado é motivo de alegria aos que reconhecem o valor da preservação da memória para a manutenção da identidade. Em João Pessoa, que visitei no começo deste janeiro, o Museu das Esculturas, que o povo chama de Museu das Estátuas, corresponde ao que se espera de um, mesmo que em espaço pequeno, pois instalado em residência construída no começo do século passado. Bem organizado, convidativo, oficialmente tem o nome de seu criador, Jurandir Maciel, um dos grandes nomes das artes plásticas do Estado, embora ele seja pernambucano. As obras ali dispostas, todas de autoria deste artista, são réplicas de monumentos que se veem em espaços públicos. Há também xilogravuras que remetem à história nordestina, em especial à da migração e do cangaço. A matéria-prima utilizada nas esculturas provém de material reciclado (torneiras, cadeados, dobradiças) fundido a mil graus e transformado em bronze ou alumínio. Elas imortalizam nordestinos ilustres como Aurélio Buarque de Holanda, Floriano Peixoto, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, Barão do Rio Branco, Augusto dos Anjos, José Lins do Rego, José Américo de Almeida e, claro, Ariano Suassuna. Pode-se interagir com todos, tirando fotos e conhecendo um pouco da história de cada personalidade ali representada. Junto a Luiz Gonzaga, por exemplo, são disponibilizados adereços que lembram narrativas nordestinas tornadas famosas nas composições do “rei do baião”.

Mas a atração mais vista e comentada é sem dúvida Ariano Suassuna, seja porque está logo à entrada, na calçada; seja porque duas salas lhe são reservadas. Na primeira o artista aparece no centro de um arco que louva uma de suas obras mais conhecidas; na segunda, vê-se a reprodução de seu escritório e biblioteca. Tudo muito merecido, pois nosso grande dramaturgo é um dos escritores nordestinos que buscando na literatura popular a sua inspiração, levou a milhões de brasileiros de todos os rincões uma obra como “O auto da compadecida”, onde não só retrata o nordeste em suas precariedades, como  também mergulha em verdades universais, como na descrição que faz de um personagem:  “Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre.”  Outro museu que tive o privilégio de visitar encontra-se no Recife. É o Centro de Artesanato, instalado num prédio público de 2,5 mil metros, bem ventilado e todo branco, de frente para o mar que o emoldura.  Projeto do governo do Estado em parceria com entidades privadas, tem entrada gratuita e venda de produtos. Linda expressão da criatividade nordestina e da diversidade brasileira, entrar ali é perder-se de amores por tantas criações que traduzem o espírito dos artistas da região mais populosa do país. Organizados por seções estão itens de cestaria e trançados; bordados e rendas; couro (quase sempre de cabra); tecelagem; madeira; metal; tapeçaria e, claro, cerâmica, o carro-chefe daquele artesanato. Tudo nos convida a muitas viagens pelo reino do onírico.

O interior pulsa nas figuras humanas esculpidas em madeira: ora açoitadas pela seca, fantasma que persiste, ora carregando produtos locais, quando a chuva dá o ar da graça. Animais e vegetais enriquecem a coleção. Figuras exóticas desvelam nossa mitologia. O litoral vibra nas imagens de pescadores, peixes, sereias, frutos do mar, conchas, navios (às vezes dentro de garrafas). Vasilhas de cerâmica pintada em todos os tamanhos e para diversos fins dão uma ideia do interior doméstico simples mas colorido. Uma sala de jantar na entrada exibe mesa posta com peças de desenho singular, no centro de um espaço com móveis também artesanais e maravilhoso adorno na parede: uma pomba pascal, metáfora do Espírito Santo. Tudo produzido por mãos hábeis e almas poéticas. Pedras viram bijuterias, tecidos pintados aparecem em almofadas, retalhos formam colchas ou toalhas e também são a base para bolsas em fuxico. As rendas são sinônimo de delicadeza, na forma de toalhas para bandejas pequenas ou grandes mesas. Em cada objeto de arte ali exposto mora uma magia com potencial para surpreender o visitante.

O museu de João Pessoa nos remete a seres humanos que usaram a palavra e os sons para expressar seus mundos interiores. O do Recife nos mostra objetos aos quais mãos artesãs conferiram beleza pela via do sonho. Visitá-los é se proporcionar o prazer do contato com a diversidade do Brasil. 

Mutatis mutandis, em Franca nosso museu que tem prédio histórico, arquitetura bonita e boa localização, tornou-se ultimamente, para grande parte da população, apenas referência logística, pois não encontra da parte do poder público os cuidados que merece. Entra prefeito, sai prefeito tudo continua como dantes no quartel de Abrantes. É uma pena, porque há muito no seu acervo para contar sobre a história e a arte francanas.

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