NOSSAS LETRAS

Brinquedos de mais, brincadeiras de menos

Nos últimos dias vi algumas crianças brincando com os presentes que receberam na data tão esperada, o Natal. Aleluia! Leia o artigo de Sonia Machiavelli.

Por Sonia Machiavelli | 31/12/2022 | Tempo de leitura: 3 min
Especial para o GCN

Nos últimos dias vi algumas crianças brincando com os presentes que receberam na data tão esperada, o Natal. Aleluia! Porque o que mais ocorre é que deixem de lado poucas horas depois o que ganharam. Falo de meninos e meninas de classe média, pois as carentes, as que estão na linha da pobreza, e até abaixo dela, comportam-se de forma diferente. Quem tem pouco em geral valoriza muito o que ganha e cuida para que não estrague; quem tem muito corre o risco de desgostar logo das novidades. Na falta o ser humano em geral cria; o excesso costuma ser impeditivo. 

Minha atenção nestas ocasiões, e olhem que já vivi muitos natais, sempre foi atraída para o fato de que as privilegiadas ganham mais do que conseguem usufruir: pais, avós, tios e amigos as repletam de mimos. Acontecem então duas coisas: os pequenos nem sabem com o que brincar primeiro, de forma que passam de um a outro objeto sem se dedicar a explorar as possibilidades de cada; logo se entediam dos brinquedos recém-ganhados e com rapidez espantosa passam a pedir outros.

O que acontece? -  perguntam os adultos ao redor. Penso que estamos sendo excessivos no presentear e respondendo muito rapidamente às demandas. Tem pais que querem dar aos filhos tudo o que desejaram na infância e não puderam ganhar porque a família era muito pobre. Há os que querem substituir outras coisas, do nível dos cuidados e da atenção, pois não podem estar com os filhos pelo tempo que eles necessitam, de forma que buscam compensar as ausências. Existem ainda os que acreditam que se não conseguirem responder aos pedidos feitos vão provocar alguma decepção, raiva ou frustração, algo com que não sabem lidar. E dizer “não” é tão necessário...

Nos contextos acima, ao mimar demais os pequenos, estamos estimulando, muitas vezes sem o perceber, o consumismo desenfreado contra o qual os adultos de bom senso lutam desde o final do século passado. O consumismo não só emporcalha e destrói o meio ambiente, prejudicando a saúde física; ele também pode promover rombos no orçamento doméstico e prejudicar a saúde mental. Consumir em excesso (desculpem o pleonasmo) é exaustivo, pode desvelar um vazio difícil de preencher. Por que não ensinar às nossas crianças que este jeito de viver não é sustentável nem saudável?

Não estou criticando o ato de presentear. Especialmente porque no Natal isto tem um sentido, faz parte da alegria de celebrar o nascimento do Messias que veio para dar aos humanos “vida em abundância”. O próprio Menino Jesus foi presenteado com ouro, incenso e mirra, na manjedoura. Todos os presépios mostram Baltazar, Belchior e Gaspar na gruta de Belém, com suas oferendas simbólicas nas mãos. 

Todos os presentes genuínos, que despertam alegria verdadeira, deveriam ter um sentido, corresponder a um desejo profundo que foi se instalando e crescendo dentro de cada um ao longo do ano. É oportunidade preciosa para os pais, especialmente, desenvolver nos filhos esse desejo por algo. Não porque eles viram com o colega de classe ou o vizinho da mesma idade o objeto que passam a exigir, pois o verbo que costumam conjugar as crianças de nosso tempo é esse mesmo. Mas porque eles correspondem a um sentimento que passa a habitá-las e pode ser traduzido por movimentos internos que alimentam a imaginação, provocam a criatividade, desenvolvem a capacidade de sonhar. E de esperar. Este é o presente maravilhoso que pode ser oferecido: o sonho, que é muito mais que o objeto físico que talvez vá chegar no Natal. Mas para que isso aconteça é preciso trabalho dos adultos próximos: labor amoroso que tenha um objetivo e peça tempo e paciência para envolver a criança e desenvolver nela condições de expectativa e imaginação. É bem sábio o ditado existente em várias culturas: “O melhor da festa é esperar por ela”.

Inauguramos um novo ano. Que tal pensar em preparar as crianças para que comecem a buscar os próprios interesses, desejos, vontades? Assim no próximo Natal a escolha será fundamentada no verdadeiro querer. Um presente para a vida inteira.

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