NOSSAS LETRAS

Construções

Quando recebi o livro de Dôni Ferreira, “Dane-se o Lobo”, olhei a capa sugestiva e me pus a imaginar a que gênero pertenceria. Leia a crônica de Sonia Machiavelli.

Por Sonia Machiavelli | 22/10/2022 | Tempo de leitura: 5 min
Especial para o GCN

Quando recebi o livro de Dôni Ferreira, “Dane-se o Lobo”, lançado em julho, olhei a capa sugestiva e me pus a imaginar a que gênero pertenceria. A palavra ‘lobo’, que ultimamente já apareceu em várias ficções para adultos, me autorizava a pensar numa narrativa só para adultos. Mas a delicadeza do trabalho da capista Juliana Calado sugeria que a obra tinha mais a ver com o imaginário infantil. Os traços, as cores, o movimento remetiam de forma menos convencional e mais surpreendente ao conto clássico que vem sendo contado aos pequenos por inúmeras gerações de pais e professores. Chapeuzinho Vermelho, pois então.

Fui à contracapa a fim de descobrir o que esperar das 202 páginas que me preparava para ler. Lá estava o esclarecimento ao leitor. O livro abordava “Inteligência Emocional com enfoque na construção de uma casa emocional que nos proteja dos lobos que porventura espreitam nossa vida.”

Lembrei-me de que a inteligência emocional é objeto de estudo em área da psicologia que examina a capacidade humana de lidar com as próprias emoções. Segundo especialistas, elas guiam as decisões que tomamos e a forma como passamos pelos desafios diários. O livro homônimo, do escritor, psicólogo e jornalista Daniel Goleman, é a principal referência sobre o assunto. Publicado em 1995, nele o autor cita a existência de duas mentes – a racional e a emocional. Goleman acredita que o Quociente Emocional (QE) é mais importante que o Quociente Intelectual (QI) para uma pessoa ser bem-sucedida em sua vida. Dôni Ferreira também.

Gostei de conhecer em prévias o assunto. E mais ainda, de me atualizar sobre esse tipo de inteligência para o qual especialistas vêm chamando a atenção desde o final do século passado. “É algo que se constrói aos poucos, e a Literatura Infantil e Infantojuvenil pode impulsionar o aprendizado e a manutenção desse conhecimento”, afirma o autor de “Dane-se o Lobo”. 

Considerei a leitura não só prazerosa como útil, e apenas a interrompi por obrigações pontuais, das quais retornei para seguir em frente. O interesse me guiou.  Percebi no final, fazendo um balanço para esta resenha, que o autor construiu seu livro a partir de um eixo sintagmático, qual seja, a reunião de algumas histórias infantis clássicas, sobre o qual fixou dois paradigmas centrados no adulto que lê e na criança que escuta. São sete partes; ou capítulos, na medida em que estão interrelacionados pelo discurso do autor. Como os temas são separados dentro de cada parte/capítulo com subtítulos do tipo “Conversa com o leitor” e “Pausas para a reflexão”, acompanhar o pensamento e a proposta do escritor torna-se fácil e agradável.

A primeira história não é a que o escritor escolheu para a capa. Antes dela vem o antigo relato dos três porquinhos que construíram suas casas com materiais de diferentes resistências: palha, madeira, tijolos. As duas primeiras não aguentaram o ataque do lobo; a terceira resistiu. Crianças ficam sabendo que tijolos são à prova de lobo porque são sólidos. A partir desse fato, o autor insere a noção de tijolos emocionais, dirigindo-se agora não mais às crianças, mas aos adultos que leem para elas: “Com isso torna-se fácil compreender que, para nossa casa emocional ser adequada e resistente, é preciso escolher tijolos. E que tijolos seriam esses? Para uma casa convencional, os mais usados são os de cerâmica. Para uma casa emocional, devem ser os da paciência, prudência, empatia e responsabilidade, entre outros”.

Fica nítido aí portanto um discurso direcionado ao adulto que lê para a criança e pode ser alcançado, em claves sofisticadas, por mensagens que jazem nas profundezas da narrativa. Ciente disso, internalizadas tais experiências, este leitor poderá despertar sobre os pequenos que o ouvem outras reações que não as de medo, que são naturais, mas também as acima citadas, conforme a sensibilidade de cada um e na medida do desenvolvimento de sua mente.

Uma das emoções básicas, o medo está bem presente na saga de dois Chapeuzinhos- o Vermelho, dos Irmãos Grimm; e o Amarelo, de Chico Buarque de Hollanda. Em ambas surge o Lobo. Na primeira história ele é sedutor e engole a menina e sua avó, salvas da barriga do animal por um caçador. Na segunda, em versos brancos, ele é objeto de pavor de uma menina que tinha medo de tudo e não se arriscava em nada. Da mesma forma o autor do livro em foco convida o leitor adulto a refletir a respeito de dois tipos de medos: “(...)quando o Lobo habita o mundo externo, posso pedir auxílio para derrotá-lo.(...) No entanto, quando o Lobo habita o mundo interno, somente a minha coragem interior é capaz de desafiá-lo e impor-lhe as derrotas necessárias para que a vida siga seu curso natural.”

O medo está muito presente nas histórias, mas outras emoções também. Por isso Dôni Ferreira alerta para a oportunidade, tanto para o adulto que lê (ou conta) como para a criança que ouve, de dar nome a eles.  A menção aos tijolos emocionais é recorrente para configurar novos sentimentos, como resiliência, ressignificação, criatividade e outros. Além do Lobo, há príncipes de duas histórias que inspiram empatia, ternura, tolerância. Há Pollyana que representa a alegria de viver e a arte de ressignificar. Há o Zezé de ‘O meu pé de laranja lima’, que, se verbaliza a tristeza diante das surras que leva e a solidão que o leva a personificar a árvore, também se alimenta da curiosidade que o conduz a caminhos novos.       

Percebem-se nos comentários do escritor ressonâncias de autores de sua eleição que se dedicaram ao tema, como Paul Ekman em “A linguagem das emoções”, Bruno Bethelheim em “A Psicanálise dos Contos de Fadas”, e o citado Daniel Goleman. Esse embasamento mostra os conhecimentos do autor junto à sua sensibilidade para abordar os temas a que se propõe em seu livro.

“Dane-se o Lobo” pode auxiliar pais e professores no trabalho de levar à criança o entretenimento explícito de todas as narrativas e ao mesmo tempo conduzi-la a descobertas sobres seus próprios sentimentos. Dessa forma, as histórias alçam um patamar que vai além do sonho, pois podem capacitá-la a se fortalecer diante das circunstâncias adversas que todo humano precisa enfrentar em muitos momentos da sua existência. É uma construção. Para que os alicerces possam se tornar sólidos desde a infância, é preciso que o leitor adulto se torne também um interlocutor preparado junto aos pequenos. Dôni Ferreira ensina o caminho, auxiliado por seu currículo de graduado em Letras pela Universidade de Franca, pós-graduado em Inteligência Socioemocional, especializado em Neurociência e Programação Neurolinguística e, também, com sua experiência de professor de Língua Portuguesa e Redação.

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