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Jeitinho Inglês

Normalmente avaliada como sisuda, austera e circunspecta durante a maior parte do ano, a cidade de Londres surpreende. Leia a crônica de Lúcia Brigagão.

Por Lúcia Brigagão | 16/10/2022 | Tempo de leitura: 3 min
Especial para o GCN

Normalmente avaliada como sisuda, austera e circunspecta durante a maior parte do ano, a cidade de Londres surpreende quem queira ver, por trás dessa máscara, outros aspectos não tão evidentes, porém reais. É como se ela quisesse esconder um lado lúdico, leve e cômico e o reservasse àqueles que, sem preconceitos, andam por suas ruas e parques, olhando seus monumentos e prédios, descobrindo por si mesmos a beleza oculta pelo disfarce de velha e rabugenta senhora que não se expõe facilmente e que está sempre surpreendendo, fugindo às regras, não obedecendo sequer previsão meteorológica, costumes europeus mais sagrados.

Clichês mostram a cidade o tempo todo sob o fog e chuva, alertando sobre as diferenças de temperatura que ocorrem durante curto período. Pela manhã, a luminosidade que entra através das janelas – quase sempre cobertas por cortinas de renda -  sugere lindo Sol lá fora. E que é verdadeiro. Vai andando o dia, vão surgindo nuvens, o céu se tampa, cai um toró, esfria de se ver o ponteirinho do termômetro descendo. Nada impede que logo em seguida tudo se transforme e o calor volte com toda intensidade. E o contrário, também é verdadeiro. Chuva fina e insistente durante dias, de repente esquenta. Não adianta - ainda que seja mania nacional - ficar preso às previsões, antecipar acontecimentos. Londres é absolutamente imprevisível. E isso se reflete na personalidade do seu povo, ou de quem mora por lá, mais exatamente. 

Não é londrino quem nasceu na cidade.  É londrino Freud, austríaco, que morou ali bons anos, perscrutando o inconsciente das pessoas. É londrino Oscar Wilde, irlandês, que escreveu peças e livros que, ao mesmo tempo, chocaram sensibilidades e modificaram a capacidade de aceitação das pessoas. São londrinos o poeta T.S. Elliot e Jane Austen, tão românticos. São londrinas a rainha Victoria e Mary Quant que, de formas tão radicalmente opostas, influenciaram e revolucionaram usos e costumes. São londrinos os Beatles, que conseguiram fazer o calendário musical da humanidade ganhar nova divisão: antes deles, depois deles. São londrinos aqueles que se vestem com esmero, se fazendo parecer desleixados: botas pesadas com saias de algodão; meias brancas com sapatos sociais; cabelos pintados de todas as cores; piercings pendurados em lugares absolutamente inusitados; que usam xadrez, bolinha e estampas ao mesmo tempo. Tênis surrados com roupas brilhantes, purpurina e strass. São londrinos Jack, o Estripador, o rei Henrique VIII, Picasso, a National Gallery, a Saint Paul Cathedral, Lady Di, a Harrod’s, Greta Garbo, o cricket, o futebol e todos aqueles que falam o tempo todo Sorry, Excuse me, Please num tácito reconhecimento de sua existência e direitos, mas que se você tirar a roupa e ficar nu, terá a impressão de que ficou invisível: ninguém vai lhe dar a mínima pelota...

Seguindo de perto os juízes que saem de seus trabalhos e vão às ruas - sabe-se lá buscando o quê - vestindo togas e perucas de cabelos brancos cacheados, pode-se imaginar de tudo. Que se sentarão sob árvore no parque próximo e irão tirar seus sapatos enquanto comem fish and chips ou que estão indo fazer tatuagem tribal numa parte qualquer do corpo: tudo é possível. Harmonia entre o passado e o presente. Elegância nas atitudes do cotidiano. Anonimato confortável e diplomático. Respeito e responsabilidade nas relações entre as pessoas. Autenticidade e generosidade. Sensualidade discreta porém palpável. Sabedoria milenar, discreta nas suas manifestações. Coerência: ali somos todos iguais, apenas humanos - com todas as conotações desta condição.

Quem vai a Londres e reconhece a sanidade que anda atrás de toda a aparente loucura apresentada pelos estereótipos, nunca mais é o mesmo. Muda sua vida e a forma de ver seus semelhantes. Deita em qualquer parque... e sonha com um mundo melhor. E sai de lá com o amuleto da sorte: a xícara de porcelana com imagem da imortal Rainha Elizabeth.

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