Recentemente li o livro Vozes do Brasil – A linguagem Política na Independência (1820 – 1824), organizado por Heloisa Maria Murgel Starling e Marcela Telles Elian de Lima, Edições do Senado, Vol. 287 – Brasília/DF 2021. O livro trás panfletos escritos e distribuídos à época da separação do Brasil de Portugal, contando história ainda pouco conhecida pela maioria de nós brasileiros sobre nossa Independência.
A partir do ano de 1817, quando eclodiu a revolução em Pernambuco, até 1825, quando foi assinado o Tratado de Reconhecimento da Independência, grandes debates e discussões públicas ocorreram em todo país, incluindo todo tipo de entendimento sobre quais rumos o país deveria seguir. Durante o processo de independência, todos buscavam obter informações do que estava a ocorrer e sobre as decisões tomadas. O povo estava disposto a participar da política nacional, desejando colocar seus pontos de vistas, exprimir suas opiniões sobre determinados temas.
Assim surgiram os panfletos, que era um tipo de escrita barata, com conteúdo político envolvendo discussão e sociabilidade, desenvolvendo argumentos, idéias, posições etc. Surgiam afixados nas paredes, portas, locais de muita circulação de pessoas, entregues de mão em mão etc. Em uma época da sociedade brasileira em que a maioria da população era pouco instruída, os panfletos conseguiam superar os obstáculos, colocando os temas de relevância política ao conhecimento dos cidadãos. Após sua distribuição, quem era alfabetizado fazia a leitura em praças, porta de igrejas, lojas, fábricas etc., assim o tema era divulgado e tornava-se conhecido por todos, não ficando restritos às elites.
Obviamente que os panfletos não obedeciam a um padrão: podia ser curto ou longo, explicativo, controverso, ser irônico ou difamatório. Porém, os autores sempre miravam algo imediato de suas preferências, buscando conquistar a população naquele entendimento publicado. Os panfletos representavam, naquela oportunidade, um gênero de literatura política que funcionou, ao mesmo tempo, como um meio de expressão escrita e uma modalidade de comunicação com a maioria da população.
Os panfletos, esquecidos pela nossa história, dizem muito sobre um momento da nossa vida política em que cidadãos combateram e defenderam formas distintas de pensar, propuseram alternativas, formularam demandas, varando noites escrevendo em resmas de papel para serem distribuídos ao povo. De muitas maneiras, elas transformaram o espaço público e se debruçaram com genuíno interesse sobre os caminhos que poderiam ser traçados para quem quisesse conceber projetos de país. Alguns brasileiros programaram um país independente, governado a partir do Rio de Janeiro, por uma monarquia constitucional. Outros, contudo, sonharam com um projeto mais próximo do que tentavam enxergar na América inglesa e imaginavam um Brasil republicano e federativo. E, é claro, havia também quem desejasse permanecer onde estava; não mais como colônia, mas parte constitutiva de um grande império luso-brasileiro.
Os autores dos panfletos viviam num mundo diferente do nosso, mas servem de referência, perseguidos que foram, por divulgarem e provocarem a discussão de temas que não era do interesse dos detentores do poder.
Como afirmam as organizadoras do livro: “quando não encontramos no presente nenhum quadro de referência factual capaz de prover regras para a ação, sempre podemos recorrer ao passado para compreender o brasileiro que somos – ou refletir sobre o seu contrário. Um dos sintomas mais dolorosos da crise, talvez sem precedentes, que o Brasil vive atualmente se revela no processo de corrosão da confiança interpessoal que empurra largos setores da população para uma posição de medo, raiva ou intolerância.” - “Nunca é demais lembrar que é conhecendo o passado que se entende o presente e se constrói o futuro. Então, talvez seja hora de ler os panfletos da Independência, para lembrar-nos do brasileiro que fomos e que deveríamos ou poderíamos ser. E lembrar-nos de um país que tem um passado e precisa indubitavelmente ser melhor do que o Brasil que temos hoje.”
Até algumas décadas, a semana da Pátria acontecia numa grande festa cívica, todos (ou a maioria dos brasileiros) manifestavam o sentimento de orgulho pelo nosso país. Hoje em dia, já não vemos mais solenidades cívicas, ressaltando o orgulho e o valor patriótico de nossos cidadãos.
Queiram muitos ou não, é arrepiante assistirmos as comemorações do dia 7 de setembro, as músicas apresentadas pelas bandas militares e fanfarras das escolas, os alunos, carros alegóricos, o trote dos cavalos, os jovens do Tiro de Guerra desfilando, quando possível apresentação da Esquadrilha da Fumaça etc.
Infelizmente, hoje em dia as ideologias que querem dominar o país tentam impor à população que as comemorações do 7 de setembro se resumam a uma apologia à repressão, inclusive impondo medo aos cidadãos que querem se manifestar colocando uma bandeira nacional na porta de suas casas como sendo crime. Autoridades não respeitam a Constituição Federal e, o pior: acreditam que o Brasil ainda não decretou sua independência, a harmonia e a liberdade em sua acepção democrática. A propósito, faça você mesmo a comparação entre os panfletos de outrora e as formas de comunicação que temos hoje.
Enfim, independência e liberdade são conquistas a serem mantidas diariamente. Parabéns, Brasil, pela Semana da Pátria!
Toninho Menezes é mestre em direito público, advogado e professor universitário.
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